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Com vocalistas trans, As Bahias e a Cozinha Mineira lança disco ‘Mulher’

Genilson Coutinho,
04/12/2015 | 02h12

Assucena Assucena e Raquel Virgínia, ambas 27 anos, são conhecidas na Faculdade de História da USP (Universidade São Paulo) pelo mesmo apelido: Bahia.

O que é que essas Bahias têm? Uma causa em comum: transsexuais, cantam para espantar males como o machismo e a homofobia.

Assucena nasceu em Vitória da Conquista (BA). Raquel, paulistana, morou anos em Salvador, onde cantava axé em trio elétrico.

Elas são vocalistas da banda paulista As Bahias e a Cozinha Mineira, que lançou em novembro um álbum em sintonia com as discussões feministas que dominaram os últimos meses, em hashtags como #meuprimeiroassédio e #meuamigosecreto.

“Mulher” fala de mulheres, no plural, em músicas como “Uma Canção Pra Você (Jaqueta Amarela)”, “Josefa Maria” e “Reticências”. “Apologia às Virgens Mães”, outra faixa, vai assim: “Menina de saia de gozo pré-extinto/ quantos tempos bordaram o calado bordel de teu instinto?”.

O disco pode ser escutado por streaming no YouTube.

Gal Costa é a musa das novíssimas baianas, que criaram o projeto junto com o colega de USP Rafael Acerbi Pereira, mineiro (guitarra e violão). O Clube da Esquina também entra no balaio de influências, assim como a inglesa Amy Winehouse e os tropicalistas em geral.

Assucena escolheu esse nome em homenagem à personagem de Carolina Dieckmann na novela “Tropicaliente” (Globo, 1994), a doce Açucena. É também o nome de uma flor comum no sertão.

Para a cantora, a vontade de se “assumir” (depois ela se corrige e diz preferir o verbo “revelar”) brotou junto com o álbum – que começou a ser feito em – ,após uma “fase depressiva” no curso de história.

Ela nasceu numa família com “valores morais judaicos-cristãos” e sempre sentiu pesar o “dever burguês” de abraçar uma identidade que lhe era estranha.

Assucena cita o poema “Tabacaria”, de Fernando Pessoa (sob o heterônimo Álvaro de Campos), para falar sobre a “tristeza de não poder se manifestar como eu no mundo”.

Escreveu o poeta: “Quando quis tirar a máscara/ Estava pegada à cara/ Quando a tirei e me vi ao espelho/ Já tinha envelhecido”.

A baiana também temeu que envelhecesse junto com o “véu da hipocrisia”.

E quando o tirou, sentiu que “dar a cara a tapa” poderia ser uma expressão mais literal que esperava. Numa festa da USP, já foi ameaçada de “apanhar se não fosse embora”, conta. ” Um rapaz me disse: ‘Se encostar em mim, vai receber um murro. Vou quebrar a sua cara.”

Mesmo entre as feministas, há uma linha radical que rejeita transsexuais com o argumento de que, grosso modo, elas vieram ao mundo com os privilégios do sexo masculino.

Assucena diz seguir a linha de Simone de Beauvoir (1908-1986): “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”.

Da Folha