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Cinemões do Centro fazem parte do passado de Salvador

Genilson Coutinho,
16/06/2015 | 09h06
Fachada do antigo Astor (Foto: Genilson Coutinho )

Fachada do antigo Astor (Foto: Genilson Coutinho )

Por Genilson Coutinho
Cine Jandaya, Pax, Astor, Liceu , Glauber Rocha, Tamoio Cine Bahia Tupy e Cine Excelso eram os cinemas do Centro de Salvador – com exceção do Tupy, que ainda se mantém vivo no início da Baixa do Sapateiro e há décadas opera com a mesma programação de 2 filmes por sessão e um público cativo no horário do almoço.

Para muitos vai até aparecer retrô, mas quem viveu o apogeu dos anos 80 e 90 em Salvador sabe muito bem das histórias e bafhos destes cinemas que eram pontos de encontro e de pegação da comunidade gay, que tinha nas mãos os roteiros e horários das sessões com maior fluxo nos corredores escuros ou nas escadarias entre a luz baixa dos belos casarões.

Um exemplo é o Cine Jandya, um belíssimo casarão localizado na Barroquinha que hoje passa por um processo de destruição causado pelo abandono. O cinema tinha dois andares e funcionava diariamente com duas sessões de filme, um de luta marcial e outro de sexo – embora o fervo acontecia mesmo no segundo andar, nos tais banheiros onde travestis e garotos de programa (naquela época chamados de michês) se misturavam ao público em um entra-e-sai constante em que a paquera e a apegação só eram interrompidas com a chegada de alguém.

A movimentação também era vista nas cadeiras, com movimentos e gemidos do público que se masturbava com naturalidade e sem medos. Ali a liberdade e o prazer limitavam-se apenas à compra de ingresso e à curta travessia na catraca de acesso às salas. Seguindo mais pra frente, o público encontrava um cine que matinha suas cadeiras de madeira semelhantes às das escolas, um piso inclinado deslizante.

A frequência de jovens recém saídos da puberdade e no auge dos seus 18 anos também era destaque. Ainda na região, bastava subir a ladeira para entrar no Cine Liceu, um cinema lindo com cadeiras vermelhas e um salão na recepção que já servia para troca de olhares e paqueras. O Liceu também atraiu um público fiel, principalmente nas tarde de domingo até o fim da noite, quando os espectadores circulavam nos fundos da sala.

Outro cinema que deixava o povo louco era o Astor, bem pertinho da Praça da Sé, na rua do fundo, logo após a Igreja da Ajuda. Lá a movimentação não era diferente e o clima entre gays e homens casados que buscavam um prazer fora de casa nos fim de tarde, após o trabalho, aquecia a economia do estabelecimento.

O cenário de pegação se repetia no cine Excelson, na praça que não exibia filme pornô, mas era favorito dos gays, com sua super sala e um corredor lateral que era o ponto de paquera, separados da sala apenas por uma cortina vermelha. O público mais idoso e de garotos que buscavam ganhar um dinheiro – ou um lanche – dava o tom do lugar que, hoje, como os demais, está em degradação.

Mas vale ressaltar que o público da paquerava nos cinemas também freqüentavam as salas que exibiam filmes do circuito comercial, a exemplo do Cine Bahia (hoje transformado em Igreja), do Tamio (fechado) e do Glaber Rocha (que hoje é o Espaço Itaú de cinema e costumava atrair um número grande de gays que iam às sessões e se revistavam nas escada e corredores em clima de paquera e discretas pregações.

Mas esse cenário foi desaparecendo com a chegada dos cinemas de shopping, juntamente com a falta de segurança no Centro. Com o passar do tempo, todos os “cinemões” fecharam as portas, restando apenas o Cine Tupy, que ainda não virou Igreja e se mantém vivo, bem no coração do Aquidabam. Sua programação traz dois filmes de sexo explicito e seu público fiel está no horário de almoço e no início da tarde – em razão da falta de segurança.

De tão esquecido no meio e com o advento dos aplicativos de paqueira gay, tem gente que ainda pensa que o cinema também fechou…ledo enganado. Ele continua fervendo, como conta um frequentador que vamos chamar de Clóvis (48), que não esconde que adora assistir aos filmes e ver a pregação da galera.

“Venho duas vezes na semana, por dois motivos: é barato e tem os filmes antigos. Eu também gosto de vir aqui porque sempre rola uma pregação e fico olhando as cenas aqui no escurinho. Tenho receio na saída porque não tem segurança, mas gosto deste ambiente. Já frequentei todos os que fecharam, aqui é uma mistura de medo e tesão”, conta.

“Tem dias que tem muito homem casado e travisti, mas tem dias que está tranqüilo”. Questionado se já tarnsou no cine, ele é taxativo: “Não, gosto de um kibe, uma punheta, mas transar não. Tem que ter coragem e muito tesão. Não tenho essa coarem toda” diz ele.

Serviço:
Cine Tupy
Todos os dias
Horário: das 10h ás 18h
Ingresso: R$7,00 (preço único )
Telefone: (71) 3242-4179