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Cinema: Top 10 dos melhores filmes GLBT vistos em 2014

Genilson Coutinho,
27/12/2014 | 11h12

Por Elenilson Nascimento

Quem melhor para julgar os “melhores filmes GLBT vistos em 2014” do que pessoas que amam cinema e não têm preconceitos com nada? Talvez por isso mesmo que o site Dois Terços tenha me delegado essa missão, muito difícil por sinal para um comedor de livros que arrota filmes. Pois passei a última semana revendo minhas anotações sobre o tema, e estou agora me gabando por ter elaborado, em meio a tantas listas, uma listinhas de filmes fundamentais vistos nesse ano que, enfim, se finda.

2014 foi marcado por um equilíbrio interessante entre superproduções e produções independentes, provocativas e autorais. Além das animações, que começou o ano com força total, e dos dramas de novos diretores nacionais, a ficção científica e os temas GLBT também estiveram em alta, seja voltada para o público adolescente, com adaptações literárias, ou para o adulto mais exigente.

Na lista abaixo, nada convencional, um pouco da opinião pessoal de um autor que busca em filmes os seus enredos inteligentes e não os temas comerciais de sempre sobre o que há, ou houve de melhor nos cinemas nesses últimos anos. Essa lista não é só dos lançamentos de 2014, mas do que de melhor foi lançado nos últimos anos, mas, infelizmente, ainda ignorados pelo público. Uma lista bem variada que contém muitos filmes artísticos, mas também bastante blockbusters e até algumas p~erolas raras. Aproveitem e deixem nos comentários as suas próprias listas e suas opiniões sobre a nossa, e respondam a pergunta, qual grande filme dessa última década faltou nesse listão?

Confiram os filmes mais marcantes em 2014:

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 1. JONGENS – GAROTOS (2014). O primeiro lugar dessa lista vai para essa história sobre descobertas que me rendeu até umas matérias na Folha de São Paulo, Cabine Cultural e no site da MTV – confira a resenha. O flme conta a história de Sieger, um garoto tímido de 15 anos que descobre o amor nas férias de verão. Ele entra para o time de atletismo, quando conhece o intrigante, solitário e imprevisível Marc. A amizade que se desenvolve não parece nada fora do comum, mas Sieger secretamente tem sentimentos mais fortes para Marc – e vice versa. Ele se envolve numa luta solitária, quando descobre que Marc também é apaixonado por ele. Pense num filme gostoso de ser ver. O filme é bem despretencioso e tem um clima ótimo, além de uma trilha sonora interessante, sem muitos altos e baixos, no tom certo que te prende pela suavidade e delicadeza com o que ele é mostrado numa fotografia linda. E você fica, da poltrona, torcendo pela relação delicada e confusa entre os protagonistas. O desfecho é incrível porque reflete toda a delicadeza e suavidade do filme. Super recomendo. Destaque para a canção que toca no início e no final que chama-se “I Apologise (Dear Simon)”, da banda holandesa Moss.

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2. SOLDIER’S GIRL – UM AMOR NA TRINCHEIRA (2003). Sabe esses filmes que de dão um tapa na cara? “Soldier’s Girl” é exatamente isso! O filme conta a história real do jovem soldado Barry Winchell da 101st Airborne Division que viveu um amor proibido com a transformista-cantora Calpernia Addams. Numa das idas com os colegas durante as folgas a uma boate em Nashville ele acaba cativado pela beleza de Calpernia resultando em preconceitos e violência. Winchell apanhou até a morte por ter se apaixonado. Filme triste, mas que mostra que ainda vivemos em tempos de ignorância e intolerância.

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3. TATUAGEM (2013) – Em tempos de comédias brasileiras repetitivas nos cinemas, um filme despontou como um raro consenso. O longa pernambucano dirigido por Hilton Lacerda vem colecionando elogios e prêmios em sua tour pelos festivais de cinema Brasil afora. Foi assim em Gramado, onde foi laureado com três Kikitos incluindo o prêmio principal, e no Festival do Rio, de onde levou cinco prêmios, entre eles “Melhor Filme” pelo voto popular. Merecidíssimo! E estreia de Lacerda na direção revelou um estilo autoral gracioso e muito promissor, que lapida a estética de “Tatuagem” à um nível artístico. O fime nos apresenta o jovem soldado Araújo (o agora famoso Jesuíta Barbosa), ou também conhecido pelo singelo apelido de Fininha. Interiorano, de família religiosa, Fininha costumava sofrer retaliações no quartel por causa da sua sexualidade. Em uma cena antológica, vemos Fininha em sua cidade natal aos beijos com uma namorada de infância, essa mesma namorada pede para que o rapaz leve uma carta para o irmão ator que mora na capital. E o tal irmão é ninguém menos que a histriônica Paulete. É quando percebemos que os extremos não são tão opostos assim. É interessante que apesar do evidente desejo entre as partes, Lacerda não tem urgência em levar os personagens às vias de fato. Existe tempo para o romance, encenado em uma bonita sequência de dança permeada por olhares sedutores e a sensibilidade de um discurso intimista. Um filme incrível!

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4. LIKE A VIRGIN (2006). Filme divertidíssimo, sem pretenção de ser uma obra de arte, mas muito delicado para contar a história de um gordinho colegial e fã doente de Madonna, Oh Dong-ku, que acredita ser uma mulher presa no corpo de um homem. Dong-ku (*nome engraçado!) mora com o pai alcóolatra, trabalha meio-período e guarda dinheiro para a cirurgia de mudança de sexo com a qual tanto sonha. Ainda que o digam que tem um ótimo preparo físico, Dong-ku não tem interesse nenhum em esporte, mas quando um campeonato local terá como prêmio uma boa quantia em dinheiro, ele resolve entrar para o time. Destaque para a cena final quando Dong-ku, depois de supostamene ter feito a operação, imita Madonna cantando a música que deu nome ao filme.

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5. O SEXO DOS ANJOS (2012). Esse filme também me redeu resenhas publicadas em alguns veículos de comunicação como as revistas Monet, Cult, Opa!, Tribuna de Minas e o Cabine Cultura (leia a resenha completa) conta a história moderna de Carla, uma fotógrafa talentosa, herdeira de um apartamento e crítica de sua mãe decadente, que namora Bruno (vivido por Llorenç González – que lembra muito o Gael Garcia Bernal), mas durante uma apresentação de street dance, Bruno acaba conhecendo o enigmático Rai (sensualmente interpretado pelo demasiadamente lindo Álvaro Cervantes), e acabam se apaixonando. Bruno é Bruno por achar pertencer a Carla, que vivem um amor de quase noivos em que um é a singularidade cativante do outro. Será mesmo? É quando o streetdancer-carateca Rai invade o mundo deles, outsider errante sem passado nem futuro, cujos únicos bens são sua força, sua beleza, sua coragem e seu desejo. A chegada de Rai acaba por mudar as regras do relacionamento de Carla e Bruno, e modifica o que eles pensam de amor, infidelidade e sexo. Os três, guiados por suas emoções, aprendem a viver com toda a força e a intensidade da juventude, devorando cada momento. Destaque para a cena onde Rai transa com Bruno no banheiro – de uma sensualidade indescritível.

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6. ELVIS & MADONA (2011). Outro filme nacional nessa lista. Inusitado. Irreverente. Inovador. Desafiador. Inteligênte. Muitos os adjetivos que eu poderia usar para falar desse filme homônimo de Marcelo Laffitte, que posteriormente gerou o livro “Elvis e Madona – Uma Novela Lilás”, mas vou usar o que me fez ficar sem piscar, tão curioso que eu estava para saber como é que uma história assim ia acabar: divertidíssimo. O filme conta a história de Elvis (Simone Spoladore) que sonha em ser fotógrafa, mas a necessidade de sustento faz com que aceite o emprego de entregadora de pizza, e Madona (Ígor Cotrim), que é uma travesti que trabalha como cabeleireira e sonha em produzir um show de teatro de revista. Logo após conhecer Elvis, que é homossexual, elas se tornam grandes amigas. Mas, pouco a pouco, desperta neles um sentimento mais forte que a mera amizade. O filme trata de um amor improvável, mas com muito humor para tratar de sexualidade e dos papéis de gênero a que estamos habituados: Elvis é uma mulher de 30 e poucos anos que sempre gostou de mulheres até o dia em que conheceu Madona (que na verdade é Adaílson), que sempre gostou de homens e há anos é um dos travestis mais famosos de Copacabana. Por conta disso, ambos deixaram sua cidade natal, para fugir dos olhares de estranhamento e preconceito que já estavam afetando até mesmo suas famílias, e se mudam para o Rio de Janeiro, vão viver em Copacabana.

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7. BROTHER TO BROTHER (2004). Não confundir esse filme com “Brothers” (Entre Irmãos), com o Jake Gyllenhaal no elenco. Esse é sobre o estudante de arte Perry (vivido pelo ator negro desconhecido Anthony Mackie) que faz amizade com um homem idoso de rua chamado Bruce que, nos anos 20, foi uma figura importante da pop art do Harlem. O filme tem um roteiro não-linear e, através de cortes, mostra as amizades importantes que Bruce fez no passado, figuras da literatura e artes plásticas  como Langston Hughes, Aaron Douglas, Wallace Thurman, Zora Neale Hurston e até o escritor James Baldwin – que escreveu o maravilhoso livro “Giovanni” (livro que narra uma dramática e pungente viagem através do submundo da homossexualidade) – são citadas. E, recordando suas amizades com outros importantes ícones da Harlem Renaissance, Bruce narra alguns dos desafios que enfrentou como um negro, jovem, escritor, pobre, gay na década de 1920. Perry descobre que não tem comparação os desafios da homofobia e do racismo que ele enfrenta no início do século 21 perto dos que Bruce viveu.

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8. CLANDESTINOS (2007). Meu livro também chama-se “Clandestinos”, mas, não foi por isso que esse filme entrou nesse Top 10. Esse longa narra, de forma real, o sofrimento vivido pelos latinos na Europa. Já é comum notícias de latinos que vivem em países europeus, berço dos Direitos do Homem, mas que também não parece ser o lugar ideal para um estrangeiro viver por causa do preconceito que sofrem. Xabi passou a infância e adolescência em reformatórios, de onde volta e meia fugia. Em uma de suas fugas, conheceu Iñaki, terrorista de meia-idade do ETA que logo virou seu mentor. Anos depois, novamente no reformatório, Xabi foge com dois amigos e sai à procura de Iñaki, na esperança de se juntar ao ETA. Iñaki está sumido, mas Xabi não desiste. Com os amigos, planeja soltar uma bomba em Madri para provar seu valor ao ETA e a Iñaki. No entanto, por trás do fanatismo ideológico, Xabi esconde uma motivação íntima que vai de encontro à realidade de qualquer organização terrorista: ele é gay. Para sobreviver nas ruas de Madri, Xabi se prostitui. O final do filme é realmente uma surpresa. Filme com um roteiro simples, mas demasiadamente real.

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9. RELEASE (2010). Nesse filme, o padre Jack, repudiado pela Igreja e por sua congregação, vai para cadeia após cometer um crime – um acidente, mas que os seus superiores nãoveem com bons olhos. Os outros presos acreditam que o crime cometido foi pedofilia e começam a aterrorizar um adolescente que virou amigo do padre, Rook. O oficial da prisão, Martin, oferece sua proteção a Jack, entretando os dois acabam se apaixonando e vivendo um perigoso romance dentro da prisão enquanto planejam um futuro juntos quando Jack sair da prisão. Contudo, em meio ao medo de serem descobertos e do peso do pecado nos longos dias na prisão, enfim, chega o dia da saída e algo terrível acontece. O filme mostra muito bem a hipocrisia da religião.

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10. PROTEUS (2003). Baseado em uma história verídica, o filme “Proteus” é sobre um amor proíbido na África do Sul no século XVIII entre um rapaz negro e um marinheiro holandês, dentro da prisão de Robben Island, perto da Cidade do Cabo. Lembrei muito do livro “O Bom-Crioulo”, de Adolfo Caminha, uma das principais obras do movimento naturalista, publicado em 1895 e que foi um dos primeiros a tratar da homossexualidade no Brasil. Enquanto o enredo do livro conta a história de Amaro, um negro forte que deixa de ser escravo e se alista à Marinha, onde conhece Aleixo, branco e frágil, os dois vivem um romance e moram por um período no Rio de Janeiro, na casa de D. Carolina, o que acaba culminando em um triângulo amoroso, no enredo de “Proteus” um outro amor entre “diferentes raças” tem como questão a sobrevivência numa prisão. E naquela África Austral, do século XVIII, a sodomia era considerada um crime e era punida com pena de morte. As cenas de sexo cruamente explícitas revelam o vazio e a solidão resultantes dos seus protagonistas. Mas o fato é que estes dois homens de raças diferentes, aprisionados por motivos diferentes foram condenados por se amarem e julgados também por serem homossexuais. O filme envolve amor, paixão e traição. A última cena da morte dos dois amantes, amarrados juntos e jogados ao mar é comovente.

* Destaque também para “SAUDADE – SEHNSUCHT” (2013) – um filme alemão com o baiano Aldy Anunciação; “O EINSTEIN DO SEXO” (1999); “SAVE ME” (2008); “O TALENTOSO RIPLEY” (1999); “PRAIA DO FUTURO” (2014) com Wagner Moura; “O GOLPISTA DO ANO” (2010) com Rodrigo Santoro e Jim Carrey; “EU, MAMÃE E OS MENINOS” (2014); “PLATA QUEMADA” (2000); “JUVENTUDE TRANSVIADA” (1955) com James Dean; “YVES SAINT LAURENT” (2014);  “BENT ” (1997); “O RETRATO DE DORIAN GRAY” (2011); “PARA WONG FOO, OBRIGADA POR TUDO!” (1995); “ORAÇÕES PARA BOBBY” (2009); ANONYMOUS (2004) e “NAPOLA – ELITE FÜR DEN FÜHRER” (2005).

* Elenilson Nascimento é escritor, poeta, blogueiro, jornalista e ex-professor baiano que começou sua carreira nas letras em 1998, num fanzine tosco chamado Literatura Clandestina que, na verdade, era uma folha de A3 colada nos banheiros dos cinemas do Circuito Sala de Arte, de fronte às latrinas. Já participou de várias antologias pelo país, é autor de “Palavras Faladas Fadadas Palavras”,  “Memórias de um Herege Compulsivo”, “Clandestinos” e outros livros, experimentando dessa dor de fazer arte diante de uma vanguarda feita de elite e de passado. Escreve em alguns sites culturais, como o site da MTV, Cabine Cultural, Cult, Entre Livros, Tribuna de Minas e Dois Terços, e prepara um romance inédito sobre uma cidade do Salvador que não existe mais. Em 2014, esteve em Madri, no Congresso de Novos Narradores Ibero-americanos, onde recebeu o Prêmio de Melhor Obra Contemporânea para o livro “Olhos Vermelhos – Crônicas Indesejadas num Lento (e Inútil) Mergulho em Direção ao Nada no País dos Bruzundangas e Outros Escritos” – livro onde lança mão do nonsense e do pop que compõe o retrato de uma geração perdida entre possibilidades infinitas de contato e isolamento.