Cine janela: um mês e muitas projeções
O Cine Janela, iniciativa que transforma janelas em cabines de projeção e paredões de prédios em telas de cinema, completa um mês. Para celebrar, até domingo (26), sempre às 20h, além dos da programação especial com filmes e vídeos, serão promovidos encontros virtuais, através de lives na rede social do projeto @cine.janela, entre os realizadores do projeto e cineastas, produtores e outros artistas, com o propósito de debater as obras exibidas e refletir sobre a produção audiovisual brasileira. Ao longo da semana, também será anunciada uma campanha de financiamento coletivo que visa assegurar a continuidade do projeto e a sua expansão para outras janelas, incluindo bairros periféricos.
A ideia nasceu em meio às medidas preventivas da proliferação do coronavírus, no Dois de Julho, bairro tradicional e boêmio do centro de Salvador, fruto das mentes criativas de três vizinhos, o gestor cultural Chicco Assis e as cineastas Jamile Coelho e Cíntia Maria. Já a partir do segundo dia, o projeto expandiu para outras praça chegando a alcançar outras quatro janelas, sendo duas em Salvador, no Politeama, em parceria com o Coletivo Coato e com a Revista Gravidade, e outras duas em outras cidades, uma em São Paulo, no bairro de Santa Cecília, em parceria com o Cine Minhocão, e outra em Vitória do Espírito Santo, em parceria com a Pixx Fluxx. Os idealizadores pretendem que outras janelas sejam alcançadas tanto em Salvador, quanto em outras cidades.
Em seu primeiro mês de atividade, com 5 janelas-exibidoras, foram realizadas 78 sessões que totalizam mais de 100 horas de programação, com 72 filmes exibidos, entre 58 curtas e 14 longas. Entusiasmado com os resultados, Chicco Assis observa que “é emocionante acompanhar o crescimento dessa ideia que, inicialmente, pretendia apenas entreter nossos vizinhos, principalmente os idosos que moram no nosso prédio e ao redor”. Para Assis, o projeto tem se consolidado como uma rede alternativa de exibição de conteúdos audiovisuais. “Com o fechamento dos cinemas e dos espaços culturais, somos das redes exibidoras em funcionamento contínuo nesse momento de pandemia. Além do audiovisual, outras linguagens artísticas são projetadas, transformando as nossas janelas em espaços culturais alternativos”, destaca o gestor cultural que está à frente da Gerência de Equipamentos Culturais da Fundação Gregório de Mattos.
Além da projeção de filmes e vídeos dos mais variados gêneros e formatos, o Cine Janela também promove uma constante interação com o público que, na rede social, pode enviar frases, recados, poesias, charges e ainda é provocado a falar das saudades que a quarentena tem causado. “‘Você tem saudade de que?’ Essa .pergunta tem sido respondida das formas mais interessantes e inusitadas pelos nossos seguidores. Saudades das comidas, dos bares e de outros estabelecimentos comerciais daqui do bairro, saudades de hábitos como ‘bater perna’ na avenida sete, tomar banho de mar no Porto da Barra, e por aí vai”, afirma Cíntia Maria, que se diverte com os comentários que chegam nas redes. “Até um pedido de casamento já foi mandado para projetarmos, só não tivemos ainda o retorno se foi aceito… Nossos seguidores são bastante exigentes, acompanham e fiscalizam se a gente projetou mesmo. Se demoramos mais de um dia para postarmos a mensagem enviada, já recebemos reclamações”, comenta Maria.
A ideia do Cine Janela surgiu no primeiro final de semana após anúncio das primeiras medidas para conter a proliferação do coronavírus na capital baiana, entre elas o fechamento das salas de cinema e dos espaços culturais. Jamile Coelho recorda que “não tinha completado uma semana desde o início da quarentena quando eu, juntamente com Cíntia e Chicco, vizinhos do mesmo prédio, mentes pulsantes de inventividade, já estávamos entediados em nossos apartamentos, precisávamos inventar arte para passar o tempo. Foi aí que surgiu a ideia de estabelecermos conexões com os nossos vizinhos a partir de nossas janelas”. Ainda segundo Coelho, “o cinema nos proporciona uma conexão direta com o público e que outras expressões artísticas sejam envolvidas”. A cineasta comenta que estão sendo procurados não apenas por outros cineastas, mas também por poetas, artistas visuais e outros artistas interessados em disponibilizar suas artes para serem projetadas pelo Cine Janela, “ o Cine Janela acaba sendo uma opção para a difusão da produção audiovisual mais independente, e temos feito sessões temáticas relacionadas ao cinema negro, afrodiaspórico, feminino, que tem sido bem repercutidas”.
Sendo uma rede colaborativa, o Cine Janela tem agregado diversos parceiros e voluntários que contribuem das mais diversas formas. Instituições como a Fundação Gregório de Mattos e o Instituto Goethe emprestaram equipamentos para a realização das projeções em duas janelas. A RF102 Atelier de Luthieria contribuiu com a confecção de um suporte especial para garantir a segurança do projetor emprestado. Lecco França (Rolezinho Cult Salvador, Ana Camila Esteves (Mostra de Cinemas Africanos) e Janaina Oliveira (FICINE) têm dado valiosas contribuições para a curadoria de filmes e elaboração das programações exibidas. É importante destacar a participação contínua dos responsáveis pelas janelas-exibidoras que garantem que o projeto seja disseminado em outros bairros e outras cidades, são eles: Marcus Lobo do Coletivo Coato, Levi Barbosa e Jil Soares da Revista Gravidade, que realizam o Cine Janela em dois pontos do Politeama, e Antônio Linhares, do Cine Minhocão, que assegura que o Cine Janela chegue à Santa Cecília, em São Paulo.
Lobo considera a necessidade que o momento requer de aguçar a criatividade para driblar as tensões geradas pelo isolamento social. Para o produtor e diretor teatral, “o Politeama sempre foi um bairro pulsante e tenho o sentido calado nos últimos dias, exceto quando bate às 20h e as janelas ressoam as batidas nas panelas e a voz do povo e #fora #fora #fora… O @cine.janela é um canal de comunicação e entretenimento coletivo que tem movimentado muito as noites por aqui. Espero que essa ideia se replique em toda a cidade”. Já o cineasta Linhares afirma que adora a ideia do Cine Janela e a possibilidade disponibilizar o equipamento de projeção e de som que utiliza para realizar o Cine Minhocão, cineclube iniciado em novembro passado, para replicar a mesma programação que está sendo exibida nas outras janelas do projeto. Observa que “no primeiro dia, recebemos uma foto de um vizinho do prédio atrás do nosso, de onde nem imaginávamos que dava pra ver. No segundo, vimos um espectador passeando com seu cachorro no quintal ao lado, outro que assistiu o filme enquanto secava roupas no varal na sua varanda. A essência é esta: se o filme chegou a uma pessoa naquela noite, já valeu a pena!”
O desejo do coletivo é que o período de isolamento social passe logo e que a pandemia seja finalizada. Enquanto isso, seguirão realizando projeções buscando alcançar novas janelas e projetando o futuro do projeto já que o desejo é que ele ultrapasse o momento da quarentena. E quem quiser conferir a programação especial dessa semana, que marca o primeiro mês do Cine Janela e de outras atividades do projeto, basta acessar a página do coletivo no instagram @cine.janela.
CINE JANELA
Um Mês com Muitas Projeções
PROGRAMAÇÃO 22 a 26/04
Dia 22, QUARTA, 20h
Filme: Te Trazer essa canção de amor
Live: Antônio Linhares (Cine Minhocão) e integrantes da Cia Oceano de Artes.
Dia 23, QUINTA, 20h
Mostra de Cinemas Afrodiaspóricos: Alma Negra (Black Soul) – Martine Chartrand (Haiti /Canadá – 2001), Alma no Olho – Zózimo Bulbul (RJ – 1974), Kings and Queens
Live: Cíntia Maria, Chicco Assis e Jamile Coelho com os curadores-parceiros Lecco França e Ana Camila
Dia 24, SEXTA, 20h
Mostra Especial – O Emprego (2008), dir. Santiago Grasso, “Caminho dos gigantes”, dir. ALOIS DI LEO, 11:00, A Velha a Fiar (1964) dir. Humberto Mauro
Live: Encontro com os responsáveis por todas as Cine Janelas (2 de Julho, Coletivo Coato, Revista Gravidade e Cine Minhocão). Lançamento da campanha de financiamento coletivo
Dia 25, SÁBADO, 20h
Filme: Te Trazer essa canção de amor
Live: Marcus Lobo e integrantes da Cia Oceano de Artes.
Dia 26, DOMINGO, 20h
Filmes: 2 de Julho – Caminhos da Liberdade e O Corpo da Cidade (lançamento)
Live: Mira Silva e Antonello Veneri