Casamento sem escala

Genilson Coutinho,
27/10/2011 | 10h10

Até parece que amor entre iguais não existia.

Na vã tentativa de varrer para baixo do tapete os homossexuais e seus vínculos afetivos, a Constituição Federal admite a conversão em casamento somente à união estável entre um homem e uma mulher.

Diante da total omissão do legislador, que insiste  em não aprovar qualquer lei que assegure direitos à população LGBT,  o jeito foi socorrer-se da justiça.

Assim, há uma década o Poder Judiciário, ao reconhecer que a falta de lei não quer dizer ausência de direito, passou a admitir a possibilidade de os vínculos afetivos, independente da identidade sexual do par, terem consequências jurídicas. No começo o relacionamento era identificado como mera sociedade de fato, como se os parceiros fossem sócios. Quando da dissolução da sociedade, pela separação ou em decorrência da morte,  dividiam-se lucros. Ou seja, os bens adquiridos durante o período de convivência eram partilhados, mediante a prova da participação de cada um na constituição do “capital social”. Nada mais.

Apesar da nítida preocupação de evitar o enriquecimento sem causa, esta solução continuava  provocando injustiças enormes. Como não havia o reconhecimento de direitos sucessórios, quando do falecimento de um do par o outro restava  sem nada, sendo muitas vezes expulso do lar comum por parentes distantes que acabavam titulares da integralidade do patrimônio.

Mas, finalmente, a justiça arrancou a venda dos olhos, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) consagrou a inserção das uniões homoafetivas no conceito de união estável.

Por tratar-se de decisão com efeito vinculante – isto é, nenhum juiz pode negar seu reconhecimento – os magistrados passaram a autorizar a conversão da união em casamento, mediante a prova  da existência da união estável  homoafetiva,  por meio de um instrumento particular ou escritura pública. Assim, para casar, primeiro era necessária a elaboração de um documento comprobatório do relacionamento para depois ser buscada sua conversão em casamento,  o que dependia de uma sentença judicial.

Agora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acabou de admitir que os noivos, mesmo sendo do mesmo sexo, podem requerer a  habilitação para o casamento  diretamente junto ao Registro Civil, sem precisar antes comprovar a união para depois transformá-la em casamento.

Ou seja, a justiça passou a admitir casamento sem escala!

Só se espera que, diante de todos esses avanços, o legislador abandone sua postura omissiva e preconceituosa e aprove o Estatuto da Diversidade Sexual, projeto de lei elaborado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que  traz o reconhecimento de todos os direitos à comunidade LGBT e seus vínculos afetivos.

Com certeza é o passo que falta  para eliminar de vez com a homofobia, garantir o direito à igualdade e consagrar o respeito à dignidade, independente da orientação sexual ou identidade de gênero.

Enfim, é chegada a hora de assegurar a todos o direito fundamental à felicidade!

Maria Berenice Dias

Advogada

Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM

Presidenta da Comissão da Diversidade Sexual