Casamento civil é direito civil Por: Carlos Tufvesson

Genilson Coutinho,
19/12/2012 | 10h12

Recentemente, em “Avenida Brasil” – brilhante novela de João Emanuel Carneiro – era possível acompanhar uma trama que unia dois homens e uma mulher e outra que abordava o casamento entre um homem e três mulheres. Neste segundo caso, com direito a vestidos nas noivas e beijos enfileirados lado a lado. Esse fato não registrou o menor alvoroço na sociedade como causa a manifestação de afeto entre duas pessoas do mesmo sexo. Paradoxalmente, por algum critério de moralismo seletivo, o tal “beijo gay” ainda continua sendo um tabu.

Sou casado há 17 anos. Uma relação pública abençoada por toda nossa família. É importante ressaltar que casamento civil nada tem a ver com nenhuma cerimônia religiosa. A definição de casamento segundo o Código Civil, art. 1511: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.

Por que, afinal, as pessoas querem se casar?

Porque em nosso país, cidadãos que se unem para dividir uma vida em comum, só têm a ampla proteção, em direitos e deveres, se realizado o casamento civil, estabelecido no Código Civil.

O Ministro Luiz Felipe Salomão, do STJ, em decisão sobre casamento civil declarou em seu voto: “Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os “arranjos” familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto”.

No último dia 06, a coluna de Ancelmo Gois noticiou que uma conversão de união estável em casamento entre duas pessoas do mesmo sexo na cidade fluminense de Sapucaia, deve sofrer represália de um grupo religioso que promete uma passeata contra a união e já roda um abaixo assinado para tentar anular a decisão.

É muito perigoso esse nível de intolerância e interferência na vida de outros que tem acontecido no Brasil. Pessoas tem se unido para fazer com que as regras da sua religião sejam impostas à sociedade, mesmo aos que não comungam da sua fé.

Reconheço que não vejo a comunidade judaica organizar-se para impor suas regras e viabilizar um projeto de lei que proíba o consumo de carne de porco no país ou para que tenhamos de respeitar o shabat. Não vejo a comunidade muçulmana se organizar para criar uma lei onde todos têm de se ajoelhar para Meca ao meio dia. Por que então algumas pessoas “em nome” de determinadas religiões tentam impor seu Deus e suas regras a toda uma sociedade?

Diante disso, uma reflexão: alguém imagina um cidadão sendo apedrejado por trabalhar no sábado? Ou um sacerdote recusando a eucaristia a cegos, coxos, mutilados ou pessoas com defeitos? Ou algum homem sendo preso por aparar a barba? Todas essas citações constam na Biblia. Entretanto cumpre lembrar que o termo homossexualidade só foi cunhado no século XIX, bem depois de sua redação.

O Estado Democrático de Direito deve ser respeitado e, para isso, temos leis. A independência dos três poderes tem de estar a par das religiões, que é objeto de cunho pessoal, de fé. Quando esses princípios não são respeitados é a democracia do país que fica em xeque.

Não preciso ser negro para lutar contra o racismo. Não preciso ser judeu para lutar contra o antissemitismo. E você não precisa ser homossexual para lutar contra a homofobia.

Carlos Tufvesson é coordenador especial da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio e militante de Direitos Civis e Humanos