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Canal Brasil celebra dia do Orgulho LGBTQ+ através do cinema brasileiro com ficções e documentários

Genilson Coutinho,
28/06/2018 | 10h06

Divinas Divas

O Dia Internacional do Orgulho LGBTQ+ (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, na sigla) é comemorado internacionalmente em 28 de junho. O marco foi escolhido a partir da reação de frequentadores de um bar em Nova Iorque a uma série de batidas policiais repressoras em 1969. Desde então, a data tornou-se símbolo da luta contra o preconceito e em prol da diversidade sexual. Para reforçar a importância do tema, o Canal Brasil preparou uma programação especial na última semana de junho, de quarta a sábado, na faixa das 19h30 e das 22h, com ficções e documentários em curta e longa-metragem, mostrando como o cinema brasileiro voltou suas lentes para o assunto.

INÉDITO e EXCLUSIVO: Tailor (2017) (10’) Direção: Calí dos Anjos – Tailor Orlando é um cartunista transgênero que compartilha experiências pessoais e de outras pessoas que enfrentam os mesmos desafios em sua página na Internet. O diretor Calí dos Anjos utiliza técnicas de animação para recriar as histórias de transgêneros nesse documentário de curta-metragem e contar os dilemas, medos, as inseguranças e dificuldades vividas por quem nasceu em um corpo com o qual não se identifica.


DESTAQUE: Lampião da Esquina (2016) (82’) Direção: Lívia Perez – A censura à mídia e à liberdade de expressão foi um dos traços mais marcantes da ditadura militar no Brasil. Durante o regime totalitário, periódicos sofreram com o controle do governo sobre o teor de suas publicações, e reportagens sobre o universo LGBT estavam entre os temas considerados subversivos pelas autoridades. Em meio a esse contexto repressivo, um grupo de 11 jornalistas, críticos, atores e intelectuais homossexuais decidiram tirar o assunto do armário diretamente para as páginas de um jornal irreverente voltado para o público gay – principalmente masculino. A diretora Lívia Perez resgata a história do Lampião da Esquina a partir de entrevistas com os idealizadores e realizadores dessa anárquica gazeta.
A coprodução do Canal Brasil remonta o contexto histórico da fundação do jornal, publicado pela primeira vez em abril de 1978. Logo de início, a película resgata entrevistas feitas com pessoas comuns, que demonstram posturas extremamente homofóbicas por parte da população à época. O escritor João Silvério Trevisan recorda a inspiração advinda da cena gay de São Francisco (EUA), cidade natal do Gay Sunshine, publicação pioneira no universo LGTB – Winston Leyland, editor e escritor da revista norte-americana, também comenta o intercâmbio de ideias com os brasileiros. Único repórter oriundo de uma redação de jornal, o dramaturgo Aguinaldo Silva lembra a dificuldade para produzir cada edição, de forma praticamente artesanal, e para convencer os donos de bancas de jornal a colocar as impressões nas prateleiras.
As pautas do Lampião da Esquina eram aguardadas com ansiedade por seus leitores, e eram praticamente sinônimos de polêmica. As reportagens debatiam questões controversas como aborto, legalização das drogas, prostituição e violência contra homossexuais por parte das autoridades policiais. O conteúdo, no entanto, também possuía um teor bem-humorado. A cartunista Laerte Coutinho conta que esperava com ansiedade a edição de cada mês. O cantor Ney Matogrosso revela seu interesse imediato nas matérias publicadas pelo jornal, em detrimento à mídia tradicional, sempre com abordagem agressiva ou careta para as pautas da comunidade LGBT, e o rockeiro Edy Star comenta a explosão do periódico e da cena gay por todo o Brasil, em boates com shows de transformistas espalhados pelas capitais. A cada depoimento, um caso divertido sobre uma gazeta que fez história com tão pouco tempo nas bancas.
Quinta, dia 28/06, às 19h30.
DESTAQUE: Elvis & Madona (2011) (105’) Direção: Marcelo Laffitte – Sob a direção de Marcelo Laffitte em seu primeiro longa-metragem, esta inusitada comédia romântica tem Copacabana (RJ) como cenário e apresenta uma clara referência a dois grandes ícones do pop na escolha dos nomes do casal-título, interpretado pelos atores Simone Spoladore e Igor Cotrim. José Wilker, Buza Ferraz, Sérgio Bezerra e Duse Nacarati completam o elenco. O bairro carioca serviu também de inspiração para a música-tema I Love You, Copacabana; composta por Laffitte e Gabriel Moura e gravada por Elza Soares especialmente para a produção.
A trama acompanha a trajetória da motociclista Elvis (Simone Spoladore), cujo sonho é ser fotógrafa, mas a necessidade de sustento a faz aceitar o emprego como entregadora numa pizzaria. Logo no primeiro dia de trabalho, ela conhece o travesti Madona (Igor Cotrim), cabeleireiro que tem como projeto de vida montar um show com o glamour do teatro de revista. O encontro acontece quando Elvis faz uma entrega no apartamento de Madona e a vê machucada, após levar uma surra. O transformista teve todo seu dinheiro levado pelo amante João Tripé (Sérgio Bezerra), marginal envolvido com traficantes dos morros da cidade. Enquanto pensa numa estratégia de resgate da quantia roubada, Madona passa a contar com a ajuda de Elvis. Nasce, então, uma bonita amizade, que evolui para um divertido romance.
Um gay e uma lésbica, personagens em geral marginalizados, estão inseridos socialmente e vivem um amor delicado, abordado de maneira natural. Para elaborar o argumento, Marcelo Laffitte inspirou-se num episódio de um programa de auditório da televisão americana. O caso contava a curiosa história de um pai que, anos depois de abandonar a família e se tornar travesti, tentava a reconciliação com os parentes, mas acabou se apaixonando pela namorada do filho.
DESTAQUE: Plutão (2015) (13’) Direção: Daniel Nolasco – O cineasta Daniel Nolasco faz um verdadeiro guia da cena gay do Rio de Janeiro a partir dos principais pontos de encontro para conhecer um novo parceiro. O filme percorre os mais importantes lugares da cidade para a comunidade LGBT sem nunca os mostrar, apenas mencionando cada local enquanto trabalha com imagens de homens em cenas picantes.
Quinta, dia 28/06, às 22h.
DESTAQUE: Pobre Preto Puto (2016) (15’) Direção: Diego Tafarel – Vencedor do prêmio de melhor produção na Mostra Gaúcha do Festival de Gramado em 2016, o documentário de Diego Tafarel tem como protagonista uma figura fundamental na defesa dos direitos de minorias. Nei D’Ogum é negro, homossexual e representante de uma religião de matriz africana. Durante sua vida, sofreu diversas formas de preconceito, foi obrigado a trocar de casa várias vezes e a se distanciar da própria família. O filme traz um pouco da trajetória desse ícone transgressor, a história de suas batalhas, os dilemas já enfrentados por ele e as raízes de onde busca força para continuar lutando pelas causas defendidas.
DESTAQUE: Meu Nome É Jacque (2016) (73’) Direção: Angela Zoé – O título da mais recente produção da cineasta Angela Zoé – a mesma do longa-metragem Nossas Histórias (2014) e do média-metragem Duas Histórias (2013) – poderia se tratar de uma afirmação corriqueira para qualquer menina ao ter sua graça questionada. Para Jacqueline Rocha Côrtes, no entanto, seu nome é algo muito mais poderoso. Manifestar sua alcunha com propriedade e orgulho, sem qualquer tipo de questionamento ou preconceito, é não apenas a reafirmação da identidade pela qual batalhou toda sua vida para externar, mas também a missão a qual dedica sua trajetória pessoal e profissional. Jacque, como é conhecida, é uma mulher transexual e soropositiva, e transformou suas experiências em combustível para lutas sociais.
O olhar descuidado vislumbraria Jacqueline como uma pacata moradora da pequena cidade de Araruama, no norte fluminense. As primeiras cenas do documentário apresentam o cotidiano corriqueiro de uma senhora de 56 anos, casada e mãe de dois filhos, cuidando dos afazeres da casa, arrumando os cabelos e a roupa sem qualquer luxo, e levando as crianças ao colégio. Há muito mais emoções pulsando junto ao seu coração do que sugere essa introdução. O filme traz o relato emocionante dessa mulher que precisou lutar para conquistar o direito de assim ser chamada. O roteiro discorre cronologicamente de forma sutil sobre a precoce descoberta, desde a infância, do descompasso entre o corpo masculino, com o qual nasceu, e o gênero feminino, com o qual se identifica.
Carismática e bem-humorada, a protagonista relata um constante desconforto com sua imagem desde o início da vida. A entrevistada se lembra de vestir roupas da mãe, personagem fundamental no seu processo de aceitação, e de sentir vergonha em se despir no mesmo ambiente dos colegas. Na adolescência, enfrentou dificuldades para namorar e chegou a considerar o suicídio. Renato, um de seus irmãos, concede depoimento tocante. A família supunha tratar-se de um jovem homossexual, e do espanto em descobrir que, na verdade, era o caso de uma mulher no corpo de um homem. Jacqueline descobriu a dança, saiu em turnê fazendo apresentações artísticas e mudou-se para São Paulo. Conheceu, na maior cidade do país, os dois lados da liberdade sexual, e o hedonismo transformou-se em doença quando contraiu AIDS.
A revelação da enfermidade funcionou como mola propulsora para transformar sua vivência em luta. Começou a militar pelo Grupo de Incentivo à Vida (GIV), organização não-governamental de ajuda mútua para portadores da síndrome. Sua mobilização pela causa logo a levou a representar, com destaque, o governo brasileiro em encontros da Organização das Nações Unidas (ONU), e ela rapidamente tornou-se referência no assunto. Em meio a essa trajetória profissional, casou-se com Vitor, um homossexual assumido, e realizou o sonho pessoal de ser mãe dos pequenos Gilson e Luara, irmãos biológicos adotados pelo casal. Longe de uma obra sobre a causa nobre defendida pela protagonista, o filme é, acima de tudo, um retrato honesto, com empatia e respeito, de uma figura merecedora de notoriedade.
Sexta, dia 29/06, às 19h30.
ESTREIA: Flores Raras (2013) (118’) Direção: Bruno Barreto – Carmen Lucia Oliveira narrou, nas páginas de Flores Raras e Banalíssimas, o romance entre a poetisa americana Elizabeth Bishop e a arquiteta brasileira Maria Carlota Costallat de Macedo Soares, conhecida popularmente como Lota. Lançada em 2011, a publicação inspirou o cineasta Bruno Barreto a adaptar para o cinema, dois anos depois, a trama de um relacionamento com ares revolucionários em um período conservador da história brasileira. Estrelado por Gloria Pires, Miranda Otto, Tracy Middendorf e Marcello Airoldi, o filme foi exibido no prestigiado Festival de Berlim (Alemanha) – conquistando o segundo lugar pelo voto popular na Mostra Panorama – e, posteriormente, foi laureado com o troféu Grande Otelo em quatro categorias do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – melhor atriz, direção, direção de arte e figurino.
Elizabeth Bishop (Miranda Otto) é uma poetisa em busca de inspiração para seus versos. Cansada do cenário nova-iorquino, a trovadora decide passar um tempo na casa de Mary (Tracy Middendorf), uma antiga amiga de faculdade que mora no Rio de Janeiro com Lota (Gloria Pires), uma bem-sucedida arquiteta responsável pela supervisão da construção do Parque do Flamengo, uma das mais belas paisagens da cidade maravilhosa. O início do convívio entre a projetista e a escritora é turbulento, mas o relacionamento rapidamente evolui para uma paixão fulminante e a visita, supostamente marcada para apenas alguns dias, estende-se por cerca de 16 anos. No Brasil, a autora encontra não apenas o entusiasmo para os seus escritos, mas um novo caminho para a vida. O processo, no entanto, não reúne apenas a beleza das poesias, mas muitos dramas ao longo do caminho.
DESTAQUE: Xavier (2016) (14’) Direção: Ricky Mastro – O cineasta Ricky Mastro trata a descoberta de um pai sobre a homossexualidade do filho em um grande ato de afeto. Nicolas (André Guerreiro Lopes) é um pai dedicado e presente na vida de Xavier (Gregório Musatti), um menino de 11 anos. Convocado pela escola para discutir a conduta estudantil do jovem, o homem começa a reparar mais de perto os detalhes do seu comportamento. O olhar mais próximo lhe permite reparar que, além das baquetas de bateria sempre acompanham o pequeno, sua atenção também está voltada para os colegas de sua idade, e decide transformar a revelação da homossexualidade, muitas vezes rejeitada, em um momento de amor.
Sexta, dia 29/06, às 22h.
DESTAQUE: Da Vida Só Espero a Morte (2014) (09’) Direção: Julia Ramos – O filme de Julia Ramos narra com extrema sensibilidade o comportamento de um pai ao descobrir a homossexualidade da filha. Nestor (Roger Lisboa) é um homem de rotina repetida diariamente sem nenhuma alteração. Já idoso, resume seu cotidiano a escrever histórias, contar moedas e visitas os túmulos de parentes no cemitério. Ele é preocupado com a vida da filha, uma fotógrafa que mora na Espanha, mas se recusa a aceitar o relacionamento dela com uma outra mulher. Um dia, no entanto, uma carta inesperada chega em sua casa e ele vai acabar vendo seu dia a dia se transformar em algo inesperado.
DESTAQUE: Olhe pra Mim de Novo (2012) (77’) Direção: Claudia Priscilla e Kiko Goifman – Os documentaristas Claudia Priscilla e Kiko Goifman viajavam pelo Nordeste em busca de arranjos familiares incomuns quando se depararam com Sillvyo Lucio. Aparentemente, não havia nenhuma relação entre o personagem, um homem simples vestido com chapéu de vaqueiro, camisas polo listradas e um cigarro onipresente entre os dedos, e o roteiro proposto pelos cineastas. Um novo olhar mais atento, como sugere o título da obra, trouxe à tona a história surpreendente desse homem transexual em busca de um tratamento que o possibilite gerar um filho e formar a família de seus sonhos. A trajetória dessa figura rendeu aos diretores o prêmio especial do júri de documentários do Festival do Rio em 2011.
Sillvyo é um personagem complexo de entender à primeira vista, mas simples a partir de um olhar mais atento. Esse homem transexual de 49 anos vislumbra os desejos de uma vida simples. Ele quer se casar com a namorada e pretende engravidá-la para formar uma família. Também gostaria de ter uma boa relação com seus entes mais antigos e encontrar uma identidade e um corpo sem ares de prisão. Nada disso, no entanto, é trivial para o protagonista. Ao longo desse road movie, o personagem conhece outras pessoas que passam por situações similares e conta como descobriu o descompasso entre seu gênero e seu corpo, as dificuldades de quem se veste, fala e age com os costumes de outro sexo e os embates com amigos e parentes.
Sábado, dia 30/06, às 19h30.
DESTAQUE: Madame Satã (2002) Direção: Karim Aïnouz – Lázaro Ramos, Marcélia Cartaxo, Flávio Bauraqui, Renata Sorrah, Emiliano Queiroz, Ricardo Blat, Guilherme Piva, Gero Camilo, Floriano Peixoto, entre outros, no longa-metragem de estreia de Karim Aïnouz, baseado na verídica história de João Francisco dos Santos, mais conhecido como Madame Satã. O filme conquistou cinco estatuetas no Grande Prêmio Cinema Brasil em 2003: melhor ator (Lázaro Ramos), atriz (Marcélia Cartaxo), figurino, maquiagem e direção de arte, além da exibição na mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes do mesmo ano.
A cinebiografia de um personagem contraditório e fascinante: João Francisco dos Santos (1900-1976), figura célebre da Lapa, no Rio de Janeiro dos anos 1930. O filme se passa em um momento essencial de sua vida, quando realiza o sonho de se tornar artista de cabaré e comete o primeiro crime. Passado entre a prisão e o Rio boêmio, o longa nos transporta para o cotidiano de João Francisco (Lázaro Ramos), apresentando seu círculo de amigos e sua intimidade na pensão em que vive, de onde comanda seu mundo após deixar o cárcere. João passa a viver com Laurita (Marcélia Cartaxo), prostituta e sua “esposa”; Tabu (Flávio Bauraqui), seu cúmplice; Renatinho (Felippe Marques), seu amante e também traidor; e ainda Amador (Emiliano Queiroz), dono do bar Danúbio Azul. É neste ambiente que João Francisco irá se transformar no mito Madame Satã.
DESTAQUE: Desvelo (2012) (15’) Direção: Clarissa Rebouças – A diretora Clarissa Rebouças assina roteiro e direção deste curta-metragem que mescla a suavidade do amor e a agressividade do preconceito. Premiado em festivais em Salvador e Porto Alegre, o filme trata com delicadeza, com poucos diálogos e narrado através do toque e da trilha sonora, o amor entre Luiza (Manu Santiago) e Léo (Fernanda Beling), uma mulher transgênero. Diogo (Fábio Ferreira) não aceita o fim do relacionamento com a primeira personagem, e faz de tudo para descobrir quem é seu novo namorado. Violento e alcoolizado, ele vai persegui-la e será obrigado a lidar com o choque de ver a antiga paixão nos braços de uma nova companheira.
Sábado, dia 30/06, às 22h.