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Bangay, criada em Bangu por integrantes da comunidade LGBTQIA+, estreia como escola de samba no carnaval em 2022

Genilson Coutinho,
18/10/2021 | 12h10
Foto: Roberto Moreyra

Abram alas, porque uma galera multicolorida e cheia de animação está chegando para jogar ainda mais brilho e purpurina no carnaval carioca. Criada em Bangu, na Zona Oeste do Rio, a escola de samba Bangay fará sua estreia no Grupo de Avaliação (antiga série E) da Intendente Magalhães em 2022. A agremiação é a única oficialmente ligada à causa LGBTQIA+. Nela, diversidade é lei. A rainha e a princesa da bateria são transexuais. Rei e príncipe são gays, assim como o mestre-sala e a diretoria. A porta-bandeira é drag queen. E à frente dos ritmistas, uma mulher como mestre.

— A Bangay surgiu da ideia de criarmos uma escola que homenageasse a comunidade colorida. Nascemos como bloco, em 2016, mas sempre com a ideia de transformá-lo em agremiação. Batalhamos muito e seguimos na luta, sempre sob muitas dificuldades e preconceito. Temos orgulho de grande parte dos nossos componentes ser LGBTQIA+. É preciso dar visibilidade a esse povo — afirma Sandra Andreia, vice-presidente da escola.

Para realizar o sonho do primeiro desfile, uma vaquinha online está sendo organizada para ajudar na confecção das fantasias e alegorias. A meta é conseguir R$ 15 mil, mas até o momento só 0,5% do valor foi arrecadado. A escola prepara um enredo sobre os segredos e mistérios do número 7.

Foto: Roberto Moreyra

— Precisamos de dinheiro para colocar o nosso carnaval na rua. Também estamos lutando para termos uma quadra. Por enquanto ensaiamos no meu quintal, de forma bastante improvisada. Já os eventos são realizados na rua ou em locais alugados — conta Sandra, que tem usado as próprias máquinas de costura para confeccionar as fantasias da escola: — Eu sonho em criar oficinas de costura, alegorias e percussão na futura quadra.

A Bangay foi apresentada ao mundo do samba com um desfile em 2017. Naquele ano, ajudou a fundar a Associação dos Blocos Carnavalescos da Região de Bangu e Adjacências Flor da Lira e a Liga dos Blocos da Zona Oeste. Nos anos seguintes, ainda como bloco, apresentou enredos sobre as tentações, os deuses do Egito e a intolerância religiosa. Para o Grupo de Avaliação, a escola carrega os oito prêmios conquistados no Circuito de Blocos Alan Machado, no Rio da Prata, em Bangu. O histórico vitorioso traz esperanças de, em breve, ver a Bangay na Marquês de Sapucaí.

— Queremos ir longe, manter a caminhada desse sonho. Quem conhece a nossa história sabe como trabalhamos em prol da arte e do respeito — afirma Sandra.

Quem também não vê a hora de fazer parte da elite momesca e passar pela Passarela do Samba é a porta-bandeira Carol Bittencourth, de 33 anos. Drag queen desde 2017, ela vestirá uma fantasia que representa o quadrado. Os ensaios seguem uma vez por semana até a data do desfile.

 Foto: Roberto Moreyra

— A expectativa está enorme. Vai ser a minha estreia defendendo o primeiro pavilhão, com uma super responsabilidade de dar pontos à escola. Vamos ensaiar bastante para alcançarmos o objetivo de chegar às primeiras divisões. Eu venho toda de verde ao lado do mestre-sala, que vai representar um triângulo. O 7 é o resultado da combinação entre os números 3, o triângulo, e 4, o quadrado. Vai ser lindo demais — explica.

A porta-bandeira se surpreende quando repara que nunca foi vítima de preconceito. Carol mostra-se feliz também pela aceitação dentro de casa:

— A minha mãe é maravilhosa, toda minha família. Se alguém já me ofendeu, foi pelas costas. Nem sei como vou reagir quando isso acontecer.

A escola integra a recém-criada Superliga Carnavalesca do Brasil que substituiu a Liesb (Liga Independente das Escolas de Samba do Brasil) e agora organiza a folia da Intendente. Para 2022, uma parceria entre os governos municipal e estadual, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e a Superliga vai levar os desfiles para a televisão, na TV Alerj, no canal 10.2 UHF digital. A RioTur ainda busca empresas interessadas em divulgar sua marca e ajudar a realização do evento. São esperadas propostas até 21 de outubro. O valor da subvenção dado pela prefeitura ainda não foi divulgado.

O presidente da Superliga, Clayton Ferreira, comemora a chegada da Bangay ao grupo e reforça a necessidade de diversificar cada vez mais a festa.

— Ter uma escola assumidamente gay é muito positivo e chama atenção para a diversidade, dando espaço de fala para a comunidade LGBTQIA+, que já faz parte do mundo do carnaval há muito tempo. Essa festa precisa de novidades para somar. O samba é um local de confraternização.

Para a realeza, motivo de orgulho

Com mais de 20 anos de carnaval, o rei da bateria Jeferson Kim, de 36 anos, achou que seria muso quando foi convidado para desfilar, mas decidiu encarar a responsabilidade do cargo. Para a estreia na Intendente, ele quer fazer bonito: já se prepara fisicamente e encomendou da China materiais para a fantasia, que se juntarão às pedras e aos brilhos escolhidos e comprados por ele no mercado popular da Rua 25 de Março, em São Paulo.

— Quero acrescentar, dar o meu melhor. Já estou na preparação do figurino, com penas especiais que vão chegar da China, pedrarias e um tecido pra fazer uma roupa bem adequada ao enredo. É importante ter uma escola com essa temática e representação dos integrantes assumidamente gays e lésbicas. É uma linda forma de inclusão. A Bangay vem forte, com a ajuda dos amigos e admiradores — diz Kim.

A princesa Renata Sales, de 33 anos, quer conter a ansiedade de estrear na escola após desfilar pela primeira vez, em 2020, pela Unidos da Tijuca:

— Estou amando o universo do carnaval, cheia de expectativas. Vai ser lindo desfilar como princesa. Vamos expulsar qualquer forma de preconceito.

Estreia com elogios de Milton Cunha

Na estreia triunfal como escola de samba, a Bangay já chega ao carnaval carioca com o apoio e a bênção do comentarista Milton Cunha.

— É incrível ver essa iniciativa. Dou apoio total. Nós, gays, fazemos o carnaval, somos animados. Sem nós, não rola a festa — brinca o comentarista da TV Globo.

Milton Cunha também aponta a relação histórica do carnaval com o público LGBTQIA+ e destaca a múltipla aceitação de público nos desfiles:

— Tudo que é democrático combina com as escolas de samba, que têm um modelo que aceita todo mundo: mulheres gostosas, idosos, crianças, gordinhos, feios e bonitos. E dentro dessa pluralidade, a diversidade sexual também é bonita de se ver. As agremiações sempre tiveram diálogo com gays, lésbicas, transexuais e travestis. Uma escola formada por pessoas desse grupo e voltada para esse público é super bacana e interessante.

*As informações são do Extra.