HIV em pauta

Ativistas apontam retrocesso em campanha do Ministério da Saúde para o Carnaval 2019

Genilson Coutinho,
22/02/2019 | 23h02

Agenciaaids

O Ministério da Saúde lançou nessa sexta-feira (12), na cidade de Salvador, a campanha de prevenção direcionada ao Carnaval de 2019. O slogan deste ano é “Pare, pense e use camisinha”.

Ativistas na luta contra aids criticaram a abordagem que é direcionada a homens de 15 e 39 anos. Para eles, ignorar as populações chaves como gays e homens que fazem sexo com homens, população transexual, além de não abordarem a prevenção para mulheres se trata de um retrocesso.

Confira o depoimentos dos ativistas ouvidos pela Agência de Notícias da Aids:

 

Salvador Corrêa, coordenador de Treinamento e Capacitação da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids – “É muito importante o Ministério da Saúde anunciar a ampliação da distribuição de preservativos e das testagens quando comparado ao ano passado. No entanto, é preciso refletir em que medida o slogan “Pare, pense e use camisinha” é efetivo para o uso da camisinha durante o Carnaval. A campanha ignora a política de prevenção combinada, e não integra os aspectos estruturais, biomédicos e comportamentais. É muito grave a fala do ministro da Saúde ao dizer que “não importa a orientação sexual’ e afirmar que apenas a mudança comportamental é suficiente. Ao falar isso, ele demonstra um desconhecimento sobre a epidemia de HIV/aids, ignorando as pesquisas e as tendências epidemiológicas e todo o conhecimento da sociedade civil. E é muito grave o ministro da Saúde ignorar os direitos humanos das pessoas mais afetadas pela epidemia e isso é uma questão que precisamos ficar atentos. Na trajetória da resposta a epidemia e do enfrentamento ao HIV/aids no país, sempre tivemos campanhas que mostravam a diversidade brasileira, a diversidade de orientações sexuais e sempre valorizando os direitos humanos das populações afetadas. Eles são centrais nas campanhas e isso ficou para trás nessa edição, precisamos resgatar isso. É muito interessante  a escolha da música “Jennifer” para mobilizar a campanha, isso pode alcançar uma ampla população, mas precisamos repensar em que medida uma campanha que ignora direitos humanos e prevenção combinada tem efetividade quando estamos em um país em que a epidemia é concentrada em grupos específicos, como pessoas trans e jovens gays. Precisamos resgatar os direitos humanos na abordagem preventiva, com diversidade.”

 

Toni Reis, Pós-doutor em Educação e Presidente da Aliança Nacional LGBT – “Vi a campanha, acho que é bacana, temos que ter campanha nesse sentido.  Senti falta de um foco maior onde está a epidemia.  Os dados epidemiológicos que nós temos disponíveis pelo próprio Ministério da Saúde, falam que nós temos uma população-chave. E essa população chave hoje é a questão de gays e outros homens que fazem sexo com homens, principalmente os jovens. Claro, precisa ser uma campanha abrangente mas tem que ter algum foco para que esse público se sinta representado na campanha governamental. Eu concordo que temos que fazer a prevenção com a sociedade como um todo mas todos os manuais de campanhas mostram que quando ela é focal, há maior eficácia. Acho que nós temos que conversar muito com o Ministério da Saúde, com o ministro Mandetta e também com a nova coordenação do Departamento de IST/aids e Hepatites Virais para que tenham campanhas mais focalizadas. É isso que dá resultado. O Brasil é um exemplo para o mundo nas campanhas e isso nós temos que manter, como já dizia o ex-presidente Michel Temer: temos que manter a fama que o Brasil sempre teve em ousar na prevenção. Campanhas discretas geralmente não funcionam, são apenas um desperdício de recursos.”

 

Jacqueline Cortes, Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas –Não gostei. Parece que voltamos aos anos 90. A campanha é reducionista.  Faz menção ao uso do preservativo de forma impositiva, quase. O público masculino é o que menos se preocupa com uso da camisinha. Especialmente na folia do carnaval, num momento onde as pessoas perdem a conta do uso de álcool e outras drogas, acho difícil parar, pensar e usar camisinha.  Eu acho que as campanhas precisam ter um olhar mais ampliado.  E não faz sentido, num país onde se classifica a epidemia da aids como concentrada, onde está o público alvo então? Fica evidenciada aqui a postura de um governo conservador e machista.  Direcionaram a mensagem aos homens, e ainda relacionando a música que está nas paradas de sucesso e que não alcança as várias realidades brasileiras.  Eu não gostei.  Parece que é apenas um cumprimento de norma. De qualquer forma, esperamos sempre que as pessoas se conscientizem de sua saúde e cuidados.

 

Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum de ONGs Aids do Estado de São Paulo – “O ministro realmente está mostrando que desconhece a realidade da epidemia no país. Deixando de lado algumas populações prioritárias para fazer o enfrentamento da epidemia. Em uma campanha generalizada, você não vai atingir essas populações que, geralmente, já são excluídas, principalmente no acesso a esse tipo de informação. Mais uma vez, vai ficar uma campanha genérica, aberta, que não vai gerar nenhum impacto no enfrentamento da epidemia. Se a gestão do Ministério da Saúde continuar agindo assim, estamos com grande risco de tornar uma epidemia concentrada em uma epidemia generalizada.”

 

José Araujo, Espaço de Prevenção e Atenção Humanizada – As campanhas no Brasil no passado, foi referência no mundo em razão da coragem e parcerias entre governo e sociedade civil. A campanha deste ano, mostra o resultado da batuta do conservadorismo. Não é segredo que a bancada religiosa usa sua fé distorcida para impor seu conceito de moral e família. Muito triste ver resultados dos trabalhos do Departamento, quando é perceptível o adestramento por religiosos trasvestidos de defensores da moral. Prevenção é mais do que preservativo, é mais perfumaria em campanhas jogadas ao vento. As populações mais vulneráveis são, mais uma vez, vítimas dos algozes dos avanços da luta contra aids e ISTs.

 

Américo Nunes Diretor Instituto Vida Nova e Coordenador do Movimento Paulistano de Luta Contra Aids – “Mesmo que a campanha não dialogue com a população chave, ela tem sua importância. Precisa-se criar peças gráficas e campanhas com recortes para as populações vulneráveis e população em geral de forma gradativa durante todo ano. Sem deixar ninguém fora do contexto. Hoje trabalha-se com população chave e daqui a alguns anos o recorte da epidemia poderá ser homens heterossexuais, por exemplo. Então são necessárias várias estratégias para o fim da epidemia da aids. Contudo não se deve ser no impositivo: “use camisinha”.”

 

Credileuda Azevedo, Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas – “Na minha visão ele é um machista. O carnaval é pra todas e todos, assim como a campanha, independente de ser homem, mulher, gays, trans, travestis, a campanha tem que ser voltada para o público em geral, não só a do carnaval mais todas que ainda tiverem este ano.”

 

 

Vando de Oliveira, Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV / Ceará – Acredito que o ministro desconheça o fato de que todas as pessoas sexualmente ativas estão expostas à infecção por HIV. E não apenas os homens de 15 a 34 anos de idade. Quem está na ponta, acompanhando a epidemia de aids, sabe que todos os públicos e em várias idade estão se infectando. Temos muitas mulheres descobrindo a sorologia, como muitos homens que fazem sexo com outros homens. A importância que o governo trás para prevenção e tratamento ao HIV é tão minima que ele se esqueceu até de que não se faz sexo apenas até 34 anos de idade. Além de lamentável, a campanha trás desinformação.