Aos 17 anos, ele virou ela e agora luta pelo direito de usar o banheiro feminino
Vamos a uma daquelas histórias repetidas, que poderiam ser resolvidas sem traumas, mas por conta das convenções ganha um valor enorme na vida de algumas pessoas. Resumidamente, há um ano Pablo virou Nell Isabelle e agora quer ser tratada como tal.
Os pedidos são simples, ser chamada pelo nome de menina na escola e poder usar o banheiro feminino no colégio Joaquim Murtinho, em Campo Grande. Antes de tentar, pediu autorização, mas a resposta foi “não”.
“Disseram que eu poderia constranger alguém se usasse o banheiro feminino. Isso me foi dito pela Direção. Preciso de documentos mostrando que me chamo Isabelle para ser chamada de Isabelle e preciso que os documentos constem ‘feminino’ para usar o banheiro”, conta.
Na hora da chamada, apenas quatro professores utilizam o nome social de Nell. “Hoje, ao conversar com uma professora, ela concordou em me chamar pelo meu número”, conta considerando uma evolução. Isso significa que no momento de Nell Isabelle, a professora dirá apenas “26” e o rapaz que virou moça passou a ser um número.
Com as colegas, a situação é mais tranquila, pelo menos entre as meninas, ninguém parece incomodada, garante. “Começamos as aulas semana passada, hoje uma garota veio puxar assunto comigo no intervalo e me apresentar para mais duas outras garotas da nossa sala.”
No ano passado, aos 17 anos, já havia tentado estudar, mas era tão difícil aceitar ser chamada como homem que desistiu. “Até março do ano passado eu me vestia como menino e vivia isolado. Quando me assumi, desisti de estudar”.
Esse é o maior problema para quem resolveu ser transgênero, diz a presidente da Associação de Travestis de Mato Grosso do Sul, Chris Steffany. “Tem muita menina que desiste, deixa de estudar porque é muito constrangedor. Elas têm uma identidade que não é respeitada”, reclama.
Não há uma lei específica sobre o uso do nome social ou do banheiro. Apenas uma Comunicação Interna foi expedida há alguns anos, orientando diretores a respeitarem as solicitações das travestis matriculadas. “Mas a secretaria nunca teve pulso firme para cobrar isso”, avalia Chris.
A presidente conta que, por meio da Associação, 20 pessoas de uma vez entraram com pedido judicial de mudança de nome na Carteira de Identidade, para evitar constrangimento. Mas mesmo quem não tomou essa atitude merece respeito, cobra Chris.
“Há uma lei estadual que impede qualquer constrangimento à travesti, sob pena de multa administrativa para funcionários públicos e até afastamento. Quem for constrangida, deve procurar o Ministério Público”, recomenda.
A transformação – Nell estuda mesmo porque é guerreira. Todos os dias percorre 15 quilômetros de bicicleta até a escola. Sai de casa, na Coophavilla 2, às 5h30 para chegar cedinho e trocar a roupa no banheiro feminino, sem reclamações da diretoria.
Esquecer Pablo para assumir Nell demorou um tempo. “Eu tinha sandálias, há 1 ano e meio utilizava somente calcinha, havia abolido as cuecas de minha vida. Desde o dia 9 de janeiro de 2012 estava fazendo uso de hormônios”.
Três meses depois resolveu falar sobre sua decisão aos avós, com quem morava junto do pai. “Então me assumi numa noite de sexta-feira para meus avós. Eles disseram que me amavam e que nada ia mudar. Pensei ter recebido certa aprovação, falsa aprovação. Meu pai já sabia parcialmente da situação e provavelmente meus avós intimaram ele a se mudar. Tínhamos casa própria, mas estava alugada. Da noite pro dia, cheguei em casa e meu pai disse que iríamos para nossa casa. Nos expulsaram por minha condição”, lamenta.
O “batismo” como Isabelle é uma adaptação a Isabella, diz Nell. “Nome que minha mãe me daria se eu fosse menina. Detalhe: ela não demonstra aceitar a situação. Meu pai me trata no masculino, mesmo eu sendo uma ‘garota’, mas ele me respeita…quando todos disseram não, ele me acolheu para que eu não fosse pras ruas…”.
Na sexta-feira passada, Nell foi ao Fórum buscar informações sobre os procedimentos em relação à postura da escola Joaquim Murtinho. “Mas fui informada que tenho de procurar a Defensoria Pública que só funciona de segunda a quinta.”
Hoje, ela escreveu uma solicitação em tom formal que esperava entragar à diretoria da escola, pedindo oficialmente o uso do nome social e do banheiro feminino, mas nenhum funcionário aceitou registrar o documento. “Quando pararem de olhar a vida dos outros, se darão conta de seus problemas”, resume Nell.
Na escola estadual Joaquim Murtinho, o diretor não foi encontrado para falar sobre o assunto.
Fonte: Campograndenews