Alguém precisa parar Paula e Maycon: Racismo e Injúria Racial são crimes

Genilson Coutinho,
12/02/2019 | 10h02

Por Elder Luan

Se nossas instituições fossem sérias, Paula e Maycon já teriam sido intimados para se apresentar em uma Delegacia de Crimes Raciais, precisariam sair do programa para fazer o depoimento, e logo estariam eliminados do BBB 19.

Não tenho acompanhado o BBB 19 na íntegra, infelizmente, algumas demandas de minha vida pessoal tem me impedido de assistir as edições diárias, mas tem sido impossível não ficar sabendo de (quase) tudo que se passa na casa, em especial nos últimos dias, os frequentes casos de Racismo contra dois participantes: Gabriela e Rodrigo.

Gabriel e Rodrigo são dois dos poucos negros que estão no BBB. Politizados e conscientes da posição social que ocupam e da forma como o racismo estruturam nossas relações, quase que diariamente se veem obrigados a alertar os outros colegas de confinamento sobre comentários racistas. Sempre muito calmos, e um tanto até didáticos, os dois participantes têm explicado, pacientemente, que “humor negro”, “Denegrir”, “Faveladão”, e outras expressões nesse sentido, tem como base de sua construção o racismo. Isso tem feito com que Rodrigo e Gabriela atraiam olhares cada vez mais racistas, tano dentro da casa, quanto aqui fora.

Gabriela e Rodrigo na área externa da casa.

Gabriela e Rodrigo na área externa da casa.

Rodrigo foi o primeiro alvo. Logo na primeira semana, a participante Isabela convocou uma reunião para reclamar do ronco do Brother, propondo um rodizio de quartos, para que todos (pasmem!) tivessem a experiência de dormir (ou não dormir) com o cara que ronca. Desde então Rodrigo passou a ser o foco das conversas da casa, em especial dos participantes Diego e Gustavo, que nos primeiros dias de confinamento viviam fazendo comentários jocosos sobre o produtor cultural.

Pra piorar ainda mais a situação de Rodrigo, nos últimos dias, ele e Gabriela “corrigiram” diversas vezes alguns participantes que estavam utilizando-se de expressões racistas, o que contribuiu ainda mais para que eles passassem a ser o foco principal das conversas de quatro participantes: Paula, Hariany, Maycon e Diego.

Como já foi denunciado pela revista Capricho, ao longo dessas quatro semanas de programa, a participante Paula deu um show de comentários racistas. Entre outras coisas, que podem ser vistas numa compilação feita por um usuário do Twitter, a participante fala: “pensei que fosse chegar mó faveladão” (referindo-se a um susposto bandido), “cabelo ruim”, “humor negro é você começar a pegar uma pessoa negra e fazer piadinha contra ela”, “pra mim cota é uma forma de racismo do Estado” e “começa a denegrir a pessoa por ser loira”. Essa mesma participante disse já ter sofrido “Racismo reverso”, e acredita que ela é quem está sofrendo preconceito na casa.

Somado a esses comentários, somente nesse último fim de semana a participante, que é branca e loira, afirmou que “era negra”, e disse ter medo de Rodrigo por ele acreditar em Oxum. Em uma conversa com Hariany, Paula afirma: “Eu tenho muito medo do Rodrigo… Eu tenho muito medo, ele mexe com esses trecos aí… Ele fala o tempo todo desse negócio de Oxum dele lá, que ele conhece… mas nosso Deus é maior”.

O combo do Racismo Religioso teve seu ponto alto durante a festa de sábado. Ao ver Rodrigo e Gabriela dançando a música “Identidade” de Jorge Aragão, Maycon contou em uma roda de conversa que havia visto “Jesus Cristo” e que ele tinha lhe aconselhado a não seguir os passos de Rodrigo e Gabriela. Maycon então comentou: “Foi assim, eu estava aqui comendo, e estava o Rodrigo e a Gabi, eu comendo de ‘boassa’. De repente comecei a sentir um arrepio, e começou a tocar umas músicas esquisitas. De repente comecei a olhar e escutar uns negócios, tipo ‘Não faça igual eles’” “Eu percebi uma coisa velho. To arrepiado, é coisa séria, que eu não tinha percebido até hoje”.

Gabriela e Rodrigo dançando, enquanto Maycon os observa.

Gabriela e Rodrigo dançando, enquanto Maycon os observa.

Voltando a falar sobre o assunto na madrugada de segunda, Maycon, em conversa com Hariany e Paula, disse: “Respeito as religiões, mas tenho um certo medo, porque já aconteceram muitas coisas comigo. Uma vez, vi dois urubus em pé, um de costas pro outro. Eram dois espíritos ruins, que estavam comendo umas macumbas, aí na festa eu sentei ali de boa e comecei a comer. Daí o Rodrigo e a Gabriela chegaram, ficaram um de costas pro outro, se abraçaram e começaram a fechar os olhos, Ouvi várias vozes falando comigo dizendo: ‘não seja como eles’. Não só eles, mas todo mundo que é assim. Daí as vozes ficaram falando de Jesus Cristo”. Percebam que o cara associa os dois Urubus – que ele supostamente viu em um despacho – com os participantes Gabriela e Rodrigo.

Como se tudo até aqui ainda não fosse suficiente, ontem (segunda, 11 de Fevereiro) pela manhã, Maycon voltou com o seu Racismo Religioso, insinuando que Rodrigo poderia ter feito algum “trabalho” pra atingi-lo, mas que pegou em Isabela. Ele disse: “Pode ser que as pessoas em si são ruins ou as coisas que ficam andando junto com elas, entendeu? Falei para a Isa, ela disse que a Gabriela era uma pessoa muito boa e eu falei que talvez seja quem está andando junto com ela, porque esses dias em que ela ficou doente foi muito estranho. E não era para ela não, viu? Eu acho que era para mim”.

Hariany, Maycon e Paula do BBB 19

Hariany, Maycon e Paula do BBB 19

Racismo é crime inafiançável e imprescritível no Brasil. Já a injúria racial, prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. Paula e Maycon cometeram, e se não controlados continuaram cometendo, Injuria Racial e crime de racismo. Paula e Maycon são dois criminosos, e é assim que acho que esses casos tem que ser tratados. Mas, infelizmente, nós sabemos como criminosos brancos são tratados na Brasil.

Segundo a compreensão do Conselho Nacional de Justiça, o que Maycon e Paula estão fazendo, se enquadraria perfeitamente no crime de injúria racial, já que, os mesmos tem se valido de palavras depreciativas para se referir a raça, cor, etnia, religião e origem de Gabriela e Rodrigo. A Globo, ao ocultar parte dessas cenas, que só foram mostradas pelos telespectadores que veem o pay-per-view – a exemplo do que fez na edição de ontem (11/02) -, está sendo cúmplice desse crime.

Se nossas instituições fossem sérias, Paula e Maycon já teriam sido intimados para se apresentar em uma Delegacia de Crimes Raciais, precisariam sair do programa para prestar depoimento, e logo estariam eliminados do BBB 19. Se o programa levasse a sério e respeitasse a identidade e a história dos participantes e dos grupos que, supostamente, eles estão ali representando, Paula e Maycon já teriam minimante sido advertidos, quem sabe até expulsos, assim como aconteceu com Marcos Hater que foi expulso por violentar e toturar psicologicamente Emilly Araujo no BBB 17.

Porém, como sabemos, o programa gira conforme funciona a audiência (e vice versa também), e Paula é – nesse momento, segundo a última enquete da UOL – a grande favorita ao prêmio. Como bem afirmou Isabella Otto na Capricho “Paula Sperling, do BBB19, é o triste retrato do Brasil racista e enrustido”, que traveste seu racismo em opinião.

Crédito: Reprodução/TV Globo Maycon e Paula são os principais donos das declarações mais polêmicas do ‘BBB 19’

Não, Racismo Religioso não é opinião. Invocar a figura de Jesus Cristo para demonizar religiões de matriz africana não é opinião. Dizer que o cabelo de alguém é ruim não é opinião. Comparar Urubus a pessoas não é opinião. Correlacionar Preto, Pobre e bandido não é opinião. “Humor negro” não é opinião. Isso é racismo, precisa ser nomeado de racismo, e os envolvidos precisam ser responsabilizados pelo crime de racismo.

Edit 1: Hoje pela manhã, O Globo, publicou uma matéria informando que a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância já está apurando as denúncias sobre os casos, e que, especialistas já apontam a ocorrência de racismo.

Posicionamento da Globo

Em nota, a TV Globo se pronunciou sobre o assunto. “Não fomos notificados, mas é importante pontuar que a Globo respeita a diversidade, a liberdade de expressão. E repudia com veemência qualquer tipo de intolerância e preconceito, em todas as suas formas. Desde 2016 a emissora mantém no ar a campanha ‘Tudo começa pelo Respeito’, em parceria com UNESCO, UNICEF, UNAIDS e ONU MULHERES, que atua na mobilização da sociedade para o fortalecimento de uma cultura que não apenas tolere, mas respeite e discuta amplamente os direitos de públicos vulneráveis à discriminação e ao preconceito. Desta forma, é importante reiterar que qualquer manifestação pessoal, equivocada ou não, feita pelos participantes do programa, não reflete o posicionamento da emissora.”

*Elder Luan – Graduado em História e doutorando do Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Gênero, Mulheres e Feminismo.