ABGLT vai ao STF com Mandado de Injunção que visa o reconhecimento do dever constitucional do Congresso Nacional criminalizar a homofobia e a transfobia

Genilson Coutinho,
26/06/2012 | 14h06

 

A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) é uma entidade de abrangência nacional, fundada em 1995, que atualmente congrega 257 organizações congêneres e tem como objetivo a defesa e promoção da cidadania desses segmentos da população.

A ABGLT também é atuante internacionalmente e tem status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas. A missão da ABGLT é promover ações em prol da cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), contribuindo para a construção de uma sociedade democrática, na qual nenhuma pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminação, coerção e violência, em razão de suas orientações sexuais e identidades de gênero.

A ABGLT propôs mandado de injunção perante o Supremo Tribunal Federal, no qual pleiteia o reconhecimento do dever constitucional do Congresso Nacional em criminalizar a homofobia e a transfobia.

Passamos, assim, a explicar os motivos que justificaram a propositura da presente ação – sendo que todas as explicações técnico-jurídicas sobre as teses que a fundamentam e sobre a necessidade da criminalização aqui pretendida são explicadas pelo advogado constitucionalista Paulo Iotti, que assina a ação em nome da ABGLT, em artigo constante do seguinte link: http://pauloriv71.wordpress.com/wp-admin/post.php?post=171&action=edit&message=6&postpost=v2 (que traz, no seu segundo parágrafo, link que leva à íntegra da petição inicial – e quem pretender nos criticar tem o dever ético de, no mínimo, ler a íntegra da ação para entender suas teses).

A violência e a discriminação contra pessoas LGBT em geral está aumentando absurdamente ano após ano. Os relatórios anuais do GGB – Grupo Gay da Bahia mostram que o índice de assassinatos cometidos por homofobia (crimes de ódio homofóbico) está em linha ascendente. A criminalização da homofobia e da transfobia, assim, mostra-se absolutamente necessária.

Contudo, o Congresso Nacional está assolado por uma bancada que, ao colocar suas convicções religiosas-fundamentalistas acima da Constituição (que consagra um Estado Laico, que não pode ser influenciado por motivações religiosas), opõe-se ferozmente tanto ao reconhecimento de direitos civis básicos à população LGBT quanto à criminalização da homofobia e da transfobia. Sequer reconhecer direitos previdenciários ou a entidade familiar formada por casais homoafetivos, o que é uma decorrência lógica da histórica decisão do STF de 05 de Maio de 2011 (ADPF 132 e ADI 4277), o Congresso Nacional tem se mostrado propenso a fazer – ao contrário, há projetos que pretendem “derrubar” ganhos conseguidos na via judicial…

 

Assim, essa situação de elevadíssima violência, ofensas e discriminações contra pessoas LGBT, que Paulo Iotti chama (parafraseando Hannah Arendt) de banalidade do mal homofóbico, demonstra que temos direitos fundamentais das pessoas LGBT já consagrados na Constituição e que demandam proteção pelo Supremo Tribunal Federal. Os direitos fundamentais à livre orientação sexual e à livre identidade de gênero, bem como o direito fundamental à segurança (art. 5º, caput) e à tolerância (art. 3º, inc. IV) da população LGBT estão inviabilizados nos dias de hoje, já que as pessoas LGBT estão com medo de serem reconhecidas como tais por medo de serem agredidas, ofendidas e/ou discriminadas por sua mera orientação sexual ou identidade de gênero (pessoas LGBT têm medo de andarem na Avenida Paulista, a avenida mais cosmopolita da mais cosmopolita de nossas capitais). Aliás, até mesmo heterossexuais estão sofrendo os efeitos nefastos da homofobia – basta lembrar do caso de pai e filho que foram agredidos no ano passado e o pai perdeu parte da orelha porque foram confundidos com um casal homoafetivo pelo simples fato de estarem abraçados… esse é o nível absurdo a que chega a homofobia hoje: basta estar abraçado com outro homem que isto é visto por homofóbicos como algo “inadmissível” e “passível” de agressões…

 

Por outro lado, como explicado na ação com base na lição de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (atual relator da Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto para o novo Código Penal), a criminalização de condutas, quando constitucionalmente obrigatória, torna-se pressuposto da cidadania, e o dispositivo constitucional relativo ao mandado de injunção diz que ele será concedido quando a ausência de norma regulamentadora (no caso, da punição criminal à homofobia e à transfobia) torne inviável o exercício de direitos ou liberdades constitucionais ou, ainda, de pressupostos inerentes à cidadania. Logo, plenamente cabível o mandado de injunção.

Como dito, o artigo jurídico de Paulo Iotti traz a explicação técnico-jurídica sobre os fundamentos da ação – que englobam desde o cabimento do mandado de injunção para criminalização de condutas com base no texto constitucional, a legitimidade ativa da ABGLT, as ordens constitucionais de criminalizar condutas que obrigam o Congresso Nacional a criminalizar de forma específica a homofobia e a transfobia e os pedidos da ação (sua criminalização como espécies do gênero racismo, entendido pelo STF como toda ideologia que pregue a inferioridade de um grupo relativamente a outro, como elas fazem com pessoas LGBT relativamente a heterossexuais que se identificam com seu sexo biológico, ou no mínimo como discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais; declaração de mora inconstitucional do Congresso em efetivar tal criminalização – que é o reconhecimento de que ele está atrasado, pois já deveria tê-la efetivado; fixação de prazo razoável para o Congresso aprovar a lei de criminalização da homofobia e da transfobia; exercício de função legislativa atípica pelo STF caso o Congresso não cumpra a decisão do Tribunal como ele fez quando regulamentou a greve dos servidores públicos civis (MI 670, 708, 712) ou a aposentadoria especial de pessoas com deficiência (MI 721); e, ainda, reconhecimento da responsabilidade civil do Estado Brasileiro em indenizar vítimas de homofobia e transfobia enquanto não se efetiva tal criminalização). Assim, remetemos o leitor ao link acima citado para entender a síntese das teses que justificam a ação e, ainda, para ter acesso ao link que leva à íntegra da petição inicial.

Com essa ação, pretendemos primordialmente o reconhecimento, pelo STF, de que o Congresso Nacional tem o dever constitucional de criminalizar a homofobia e a transfobia de forma específica, no sentido de que da mesma forma que as criminalizações genéricas do Código Penal de 1940 não são suficientes para coibir o racismo contra negros, não o são para coibir o racismo homofóbico e transfóbico – inclusive em razão de Resoluções Internacionais da ONU e da OEA, que vêm exigindo medidas específicas para proteção dos LGBT. Ou seja, a ABGLT espera que o Supremo Tribunal Federal reconheça o dever constitucional do Congresso Nacional em criminalizar de forma específica a homofobia e a transfobia. Se o STF julgar o mérito da ação, entendemos que a procedência desse pedido é inquestionável. Embora também acreditemos na sua procedência, reconhecemos que os demais pedidos provavelmente gerarão polêmica na comunidade jurídica, mas este primeiro nos parece inquestionavelmente procedente.

É importante destacar que a ABGLT não considera que o STF seja a panaceia para todos os males. Acreditamos nos fundamentos constitucionais apresentados por Paulo Iotti na referida ação e, portanto, acreditamos que a nossa Constituição Cidadã de 1988 demanda pela proteção penal das cidadãs e dos cidadãos LGBT, já que a mesma proíbe a proteção deficiente de cidadãs e cidadãos por força do princípio da proporcionalidade, que é notório entre os juristas – logo, acreditamos que a Constituição exige uma proteção eficiente também da população LGBT, o que demanda pela punição da homofobia e da transfobia pelo Direito Penal na medida em que as leis administrativas estaduais e municipais hoje existentes não têm se mostrado suficientes para proteger as pessoas LGBT no Brasil mediante as penas (administrativas) que impõem a tais condutas (como advertências, multas, suspensões e cassações de licenças empresariais de funcionamento). Assim, entendemos que a própria ideologia do Direito Penal Mínimo justifica a criminalização específica da homofobia e da transfobia, pois temos aqui o que ela chama de bens jurídicos relevantes (os citados direitos fundamentais à livre orientação sexual, livre identidade de gênero, segurança e tolerância) e a ineficácia dos demais ramos do Direito para protegê-los.

Assim, a ABGLT tem a certeza de que está atuando a favor da democracia e da cidadania em geral com esta demanda, pois, como se sabe, não se pode dizer que o Estado respeita os direitos humanos enquanto uma pessoa ainda tiver seus direitos humanos violados, como ainda lamentavelmente ocorre com a população LGBT na atualidade.

Informações adicionais:

Toni Reis (presidencia@abglt.org.br; celulares:  41 9602 8906 /  61 8181 2196), presidente da ABGLT, e Carlos Magno, Secretário de Comunicação da ABGLT (  style=’orphans: 2;text-align:-webkit-auto;widows: 2;-webkit-text-size-adjust: auto; -webkit-text-stroke-width: 0px;word-spacing:0px’ v:shapes=”_x0000_i1027″>31 8817 1170) ficam à disposição para maiores esclarecimentos sobre os aspectos políticos da ação – e Paulo Iotti, advogado que a elaborou e assinou, fica igualmente à disposição para maiores esclarecimentos sobre os aspectos jurídicos da mesma (pauloriv71@gadvs.com.br).