ABGLT pede à Rede Globo que preserve a livre expressão artística dos seus roteiristas de novela

Genilson Coutinho,
20/07/2011 | 08h07

Em função da recente notícia de que as cenas envolvendo os personagens homossexuais Eduardo (Rodrigo Andrade) e Hugo (Marcos Damigo) na novela Insensato Coração perderiam espaço, assim como o seu conteúdo em prol dos direitos humanos, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT enviou um ofício à Rede Globo, endereçada ao seu diretor geral de entretenimento, Manoel Martins, requerendo que se preserve a livre expressão artística dos autores de novela da emissora.

De acordo com a Folha de São Paulo, a cúpula da  Globo bateu o martelo depois de uma reunião entre  os autores Gilberto Braga e Ricardo Linhares da  novela “Insensato Coração” e o diretor-geral de entretenimento, Manoel Martins. Teria sido decidido que a história entre os personagens homossexuais Eduardo (Rodrigo Andrade) e Hugo (Marcos Damigo) iriam receber um  banho de gelo, enterrando de vez o beijo gay além de outras bandeiras levantadas no folhetim.  Outra decisão tomada pelo grupo teria sido a suspensão do debate promovido na novela em torno da aprovação da lei que criminaliza a homofobia no Brasil. A assessoria da TV Globo respondeu ao jornal que a Globo é um veículo de massa e que não pode privilegiar nenhum grupo.

A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT, criada em 31 de janeiro de 1995, rede nacional que atualmente congrega 237 organizações.

Abaixo, você pode conferir o ofício do ABGLT na íntegra:

Ofício PR 187/2011 (TR/dh)

À Direção-Geral da Rede Globo

A/C Sr. Manoel Martins

Diretor-Geral de Entretenimento

Assunto:  Novela Insensato Coração

Prezados Senhores, Prezadas Senhoras

A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT, criada em 31 de janeiro de 1995, rede nacional que atualmente congrega 237 organizações, vem manifestar sua preocupação em relação a notícias veiculadas hoje em relação à novela Insensato Coração.

 

Segundo informações publicadas na Folha de São Paulo hoje (19/17), os autores da novela,  Gilberto Braga e Ricardo Linhares, foram informados na semana passada da determinação da Rede Globo de que a história dos homossexuais Eduardo e Hugo “fosse completamente esfriada” e “foram instruídos a não carregarem bandeira política, a pararem de fazer apologia pela criação de uma lei que puna a homofobia.”

Ora, até agora a novela Insensato Coração tem prestado um grande serviço retratando de forma real diversas situações em que a população gay vive, seja nos relacionamentos e na convivência diária entre si e com a sociedade em geral, seja na manifestação de atitudes favoráveis ou contrárias aos gays por parte de outras pessoas, seja na ocorrência da violência psicológica e física motivada por homofobia.

Entendemos que, longe de estar fazendo uma apologia, a novela está cumprindo um papel importantíssimo como veículo informativo, servindo para desmistificar a homossexualidade perante a sociedade em geral, contribuindo para modificar as atitudes que fazem prevalecer a homofobia.  Censurar neste momento parte do teor que já vinha sendo anunciado pela própria emissora mesmo antes da novela ir ao ar, nos parece um recuo que apenas serve para referendar a mensagem que a própria novela estava passando: a homofobia ainda está predominante em nossa sociedade.

O debate sobre a criminalização da discriminação e da violência homofóbicas está bastante presente na sociedade atualmente. A novela tem retratado este fenômeno. Hoje mesmo, foi noticiado que um homem de 42 anos teve metade da orelha decepada após ser agredido por um grupo de jovens que pensaram que ele e o filho de 18 anos fossem um casal gay, pois estavam abraçados .

Na referida reportagem da Folha de São Paulo, a assessoria da Globo teria informado o jornal que “a televisão é um veículo de massa que precisa contemplar todos os seus públicos e faz parte do papel da direção zelar para que isso aconteça”. Pois, somos um destes públicos e, seguindo a mesma lógica, por isso mesmo não seria desarrazoado contarmos com esta representação na novela.

Em fevereiro deste ano recebemos uma correspondência da Rede Globo que levanta pelo menos dois pontos de relevância para a presente discussão:

“Estimular que os autores abordem causas de interesse da sociedade, promovendo princípios, valores e direitos universais, é sem dúvida papel de uma empresa de comunicação consciente de sua responsabilidade social, uma vez que o convite à reflexão sobre a realidade por meio da ficção contribui com a transformação social… Entretanto, apontar de que maneira exatamente isto deve ser feito…, condicionando a liberdade criativa, é algo que vai além do desejável, sendo a novela uma obra ficcional autoral. É exatamente a livre expressão artística o principal ingrediente da fórmula do sucesso.”

Com base nas considerações acima, vimos por meio deste solicitar à direção da Globo para que prevaleça a livre expressão artística dos autores da novela Insensato Coração, mantendo a trama por eles escrita, preservando  o senso de humanidade e a responsabilidade social da emissora rumo a uma sociedade que prime mais para os valores do respeito, da paz e da harmonia entre homens e mulheres, independente da orientação sexual ou identidade de gênero.

Na expectativa de sermos atendidos, estamos à disposição.

Atenciosamente

Toni Reis

Presidente