“A sociedade brasileira que é um problema na vida dos homossexuais”, dispara o ator Érico Brás

Genilson Coutinho,
18/07/2013 | 09h07

A declaração surgiu como uma surpresa na entrevista concedida com exclusividade ao site Dois Terços pelo ator global Érico Brás. O Jurandir, da série “Tapas & Beijos” (TV Globo), declarou ser contrário ao projeto da cura gay, iniciativa do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que gerou polêmica no Brasil, mas  foi arquivado pela Câmara dos Deputados.

O ator falou ainda do inicio da carreira, quando fazia teatro em Fazenda Coutos, bairro do subúrbio ferroviário de Salvador, da profissionalização no Bando de Teatro do Olodum, companhia que tem como sede o Teatro Vila Velha, da participação do filme e microssérie “Ó Paí, ó” e do convite para trabalhar na Rede Globo. Confira a entrevista completa:

Dois Terços – Você começou a atuar desde cedo. Conta como foi o início da sua carreira

Érico Brás – Eu comecei fazendo teatro amador em Fazenda Coutos, no subúrbio ferroviário de Salvador, e me profissionalizei no Bando [de Teatro Olodum] em 1999, quando eu entrei através de um projeto chamado “Toma lá, dá cá”. Mas minha carreira detona mesmo em “Ó paí, ó”, quando eu fiz o Reginaldo com o Bando, que foi um texto de teatro que virou um filme, depois uma série, e também fiz algumas coisas para cinema, como “Quincas Berro D’Água”, que foi um outro filme bacana na minha carreira e aí caí no “Tapas & Beijos”, que é um divisor de águas na minha carreira. Mas durante todo esse tempo, eu aprendi muita coisa no Bando de Teatro Olodum, que é minha companhia de teatro preferida.

DT – Você nasceu em Fazenda Coutos mesmo?

EB – Eu nasci no Curuzu, meu pai foi um dos fundadores do Ilê Ayê, mas depois me mudei para o subúrbio ferroviário. Mas nasci no Curuzu e fui criado no subúrbio.

DT – Você saiu de uma comunidade do subúrbio de Salvador e deve conhecer muitas crianças e adolescentes que sonham viver de arte. Qual o conselho que você daria para essas pessoas?

EB – A primeira coisa é você acreditar que, se você sonha, é possível. Eu sou uma pessoa que, fora toda e qualquer coisa, eu acredito muito no que a gente nasce para ser. Eu sou do Candomblé, sou de Xangô, acredito muito no meu orixá e me apego muito nisso. Mas isso é uma coisa que agrega muito a minha vida. Minha família, no caso eu, minha mulher e meus filhos, somos do Candomblé. A gente tem uma crença, uma visão de mundo diferente. Mas independente disso, as pessoas precisam acreditar que elas nasceram para cumprir um papel no mundo e isso só é possível se você acreditar naquilo que você quer. O segundo passo é você estudar. Eu estudei muito. Depois que entrei no Bando de Teatro Olodum, estudei um pouco mais. Tive a oportunidade de estudar teatro quase um ano em Coimbra (Portugal). Foram oportunidades que surgiram porque eu quis, estava nos lugares, me sacrifiquei, me dediquei a algumas coisas que as pessoas talvez achassem ‘ah, isso aí não vai dar certo, não vale a pena’. Mas tudo vale a pena quado você acredita. Então, o conselho que dou é: acredite no que você sonha, estude, queira de verdade, e acredite que tem uma energia que cuida de você. Quando você acredita nisso tudo, o universo conspira ao seu favor e você vai.

DT – Você ainda faz parte do Bando?

EB – Eu agora não estou mais participando do Bando, porque moro no Rio, mas sempre que posso, venho , assisto aos espetáculos, encontro a galera, a gente conversa e tal. Mas minha carreira, basicamente, se sucede assim.

DT – “Ó Paí, ó” foi o seu primeiro filme?

EB – É, de expressão, sim. Eu tinha feito outras coisas, curta-metragens, mas “Ó paí, ó” foi o trabalho que me lançou, me colocou na vitrine no Brasil.

DT – E quando veio o convite para a televisão?

EB – Eu tinha ido ao Rio de Janeiro fazer “Orfeu” e, quando terminou, graças ao meu pai Xangô, Maurício Faria me convidou para fazer um trabalho. Ele disse ‘tenho um programa que a gente está inventando agora e tem um personagem que a gente queria que você fizesse’. Eu disse: ‘manda o roteiro’. Li, gostei e perguntei que iria fazer. Quando ele deu a lista do elenco, eu disse: ‘tô dentro’. Aí já foi o “Tapas & Beijos”. Quando eu topei fazer a série, que era um momento em que eu ficava entre o Rio e Salvador, acho que foi uma decisão muito bacana. Até o fato de Maurício ter me escolhido também, eu sempre agradeço a ele, a Andrea Beltrão, aos meus amigos do elenco, que me ajudaram muito. Eu fiquei no Rio de Janeiro por conta do “Tapas & Beijos”. Foi mesmo um divisor e águas na minha carreira.

DT – Como é a sua relação com o elenco da série?

EB – Muito bom. As pessoas se divertem com o “Tapas & Beijos” porque a gente se diverte em cena. A gente se diverte horrores. O time é muito bom. Acho que talvez esse seja o segredo do sucesso do programa. Maurício escolheu um time muito legal. Quem escreve, que é o Claudio Paiva, faz isso muito bem feito. É o mesmo cara que escrevia para “A Grande Família”, “Armação limitada” há muito tempo atrás. É um cara que tem experiência na televisão e esse deve ser o segredo do “Tapas & Beijos”. Todo mundo se dá muito bem. Até agora, nada desgastado.

DT – Você havia falado da sua família que, imediatamente, topou embarcar com você no seu canal do YouTube “Tá bom pra você?”. Como surgiu essa ideia?

EB – Um das coisas que sinto falta nesse momento que eu estou, é essa militância. Claro que o momento que eu tô vivendo é diferente do que o que eu vivia no Bando de Teatro Olodum que talvez a minha militância tenha sido de outra forma. Mas minha esposa e os meninos, que são meus enteados, mas que a gente já está juntos há muito tempo e comungamos das mesmas ideias, dos mesmos conceitos, a gente tem uma interpretação da sociedade completamente diferente, entendemos que a sociedade e racista, que o Brasil é racista, é preconceituoso com gordo, com a pessoa que é pequena, com o homossexual, com a mulher, com os negros. Então eu sinto falta detratar destas questões o tempo todo como eu fazia no Bando com os espetáculos. Por conta disso, a gente resolveu fazer um canal com a pergunta “Tá bom pra você?”, que é uma pergunta que não exige curva, ela é direta. Se a gente expor uma situação e disser que está bom, eu quero saber porquê. Se você disser que não, eu quero saber por quê. A gente está pensando em, futuramente, virar série, um longa-metragem. Então, o que levou a gente a fazer isso foi justamente a falta desse questionamento da sociedade. As pessoas se questionares se as coisas que estão acontecendo estão boas. Essa afinidade com o questionamento, com esse movimento que tem que ter o tempo todo  foi o que fez a gente montar esse projeto.

DT – Você falou do preconceito de uma forma geral. E sobre o atual momento que vive o Brasil, com tantas manifestações, movimentos pedindo direitos igualitários, dentre outras pautas. Especificamente para o público do site Dois Terços, qual a sua opinião sobre o projeto da cura gay?

EB – Absurdo. Não admito, não gosto, não acredito e não tem credibilidade alguma isso. Ser homossexual no Brasil é um problema, mas as pessoas não entendem que a sociedade brasileira é um problema para o homossexual, que é uma pessoa como outra qualquer. Ser homossexual não é uma opção. O cara não acorda amanhã e diz ‘hoje eu quero ser viado’, e no outro dia não quer. Não é assim. É uma condição, as pessoas são assim. Tratar isso como uma doença é um absurdo. Chega a ser, por parte dos que pensam  que podem  desenvolver uma técnica, uma cura, chega a ser arcaico, primata. É ignorante a ponto de duvidar se as pessoas que acham que podem criar uma cura para a condição da outra pessoa sejam aptas a fazer o que elas fazem, que é exercer a função que eles exercem. Fico até com medo. Daqui a pouco, vão querer inverter a cor da minha pele. Vão dizer: ‘chega de negros, vamos criar uma cura negra’. Estou sendo absurdo no que falo, mas talvez isso exista. Acho um absurdo. Não acredito, não tem crédito, não merece nem atenção.

Fotos: Genilson coutinho/Reprodução TV Globo