Opinião

A palidez da invisibilidade

Dra. Bethânia Ferreira,
22/11/2015 | 11h11

Foto: Reproduçãso

Já havia um tempo eu estava me cobrando para usar este espaço, a fim de falar sobre a invisibilidade lésbica. De repente, como em um flash, percebi que eu já havia escrito várias colunas e que em nenhuma delas eu tratei especificamente das lésbicas. Com certeza, isso é um traço da invisibilidade. Talvez eu não tenha falado, porque os direitos referentes à orientação sexual homoafetiva devem ser aplicados para gays e lésbicas. Esta última afirmação pode ser – deve ser – uma desculpa minha para não ter escrito até hoje sobre esse tema, mas acredito que foi mesmo a palidez da invisibilidade.

Decidi fazer hoje, para marcar o início, no próximo dia 25 de novembro, dos 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres.

A palidez da invisibilidade é tão profunda que vejo, com certa frequência, os outros movimentos sobrepujarem a fala de mulheres lésbicas. Não, elas definitivamente não são mulheres fracas. Elas possuem voz ativa e sabem perfeitamente o querem dizer e pelo que lutam. Mas não nos esqueçamos de que os ouvidos machistas e heteronormativos dos mais diversos segmentos são surdos a esta voz.

E temos muito o que ouvir. Temos que ouvir como anda o descaso com a saúde das mulheres nos sistemas de saúde e o preconceito no seu atendimento. Em um sistema de saúde cujos profissionais – muitos deles – baseiam seu atendimento no aspecto reprodutivo da mulher, a própria condução do atendimento a uma mulher lésbica – que pode não desejar ser mãe – é carregada de preconceito e discriminação. O ser mulher, segundo a concepção machista e heteronormativa, nasceu para ser doce, meiga, submissa e mãe. E pensam: como entender uma mulher lésbica que não quer ser mãe?

As violências se agravam quando falamos de mulher que sai “fora da rota” do mundo machista. E tanto o sistema de justiça quanto a sociedade são muito machistas para entender o que essas mulheres têm a dizer. Ou preferem não ouvir. Ou, ainda, preferem reproduzir preconceitos e violências, pois giram seus pensamentos e concepções pela ótica machista e heteronormativa. Mulheres lésbicas escutam aos montes que são muito belas para serem lésbicas; ou ainda escutam de algum machista de plantão que seria lindo estar com ela e sua namorada em um ato íntimo. Ei! Babaca, as mulheres não vivem para lhe satisfazer. O mundo não gira ao seu redor.

A violência é tão absurda que chega ao ponto da barbárie com a prática do “estupro corretivo”. O termo corretivo, relativo a correcional, no sentido criminológico e punitivista está relacionado com corrigir, punir para alterar o estado de coisas. O pensamento é simples: estuprar uma mulher lésbica faz com que ela se corrija a partir da dor e do sofrimento. Somente assim ela deixaria de ser lésbica e “viraria mulher”.

Estupro é crime! E já é um tipo de crime da pior espécie o qual se torna ainda mais grave, por ser perpetrado pelo ódio e intolerância contra população LGBT. Acontece todos os dias em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil. Mas não estamos atentos a isso, nosso sistema policial ainda não está preparado para atender a esse tipo de estupro e identificá-lo. Tampouco nossas ouvidorias ou centrais de denúncias conseguem identificar casos dessa natureza. Estamos surdos e cegos!

Isso é violência, preconceito e discriminação muitas vezes invisível aos nossos olhos, mas a palidez é apenas da invisibilidade, porque a dor é forte – e até sangrenta –, mas nós não estamos conseguindo enxergar.