A inspiração ideológica da perseguição aos homossexuais tem base na Bíblia, sobretudo no Antigo Testamento

Redação,
04/07/2013 | 17h07


A s recentes agressões de grupos neonazistas contra lideranças homossexuais obrigam-nos a refletir sobre -e corrigir- um dos maiores tabus que ainda persistem na maioria de todos nós: o preconceito anti-homossexual.
Homofobia é como a ciência chama o ódio doentio à homossexualidade. Ódio que vai do insulto e discriminação até a violência física e o assassinato. Já em meados do século 20, pesquisas de Ford e Beach revelavam que nem todas as sociedades são homofóbicas: descobriram que 64% das culturas humanas não discriminam os homossexuais, algumas tendo até deuses praticantes do homoerotismo, sendo 36% os povos que odeiam os amantes do mesmo sexo. Nossa cultura ocidental, infelizmente, encontra-se entre as mais intolerantes.
A inspiração ideológica do ódio e da perseguição legal aos homossexuais, assim como da inferiorização da mulher e a justificativa da própria escravidão, tem sua base na Bíblia, sobretudo no Antigo Testamento, daí a presença marcante da homofobia nas três principais religiões “modernas”: judaísmo, cristianismo e islamismo.
Enquanto as mulheres, sobretudo no Ocidente, conquistam cada vez mais igualdade e cidadania -e a escravidão foi abolida em quase todo o mundo-, os homossexuais continuam as principais vítimas da intolerância e da discriminação -oficialmente condenados à morte pelo fundamentalismo islâmico, considerados ainda “intrinsecamente maus” pelo atual papa, exorcizados como possuídos pelo demônio ou “curados” à força em clínicas evangélicas de norte a sul do país.
O ódio anti-homossexual atinge entre nós patamares insuportáveis: a cada dois dias, um homossexual -gay, lésbica ou travesti- é assassinado no Brasil, vítima da homofobia. São 1.830 crimes homofóbicos de 1980 a 1999. Somente nos sete primeiros meses deste ano já foram registrados 82 assassinatos de homossexuais, entre eles Edson Néris, aquele trucidado por 18 “carecas” em janeiro na praça da República.
A própria Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça reconhece que os homossexuais são um dos grupos mais vulneráveis de nossa sociedade. Duas são as explicações de tanta fragilidade: enquanto os pais e a família de jovens judeus, negros e demais minorias ensinam seus filhos a ter auto-estima e como enfrentar a hostilidade racial, os pais de adolescentes homossexuais insultam, espancam e expulsam de casa seus filhos.
Recentemente uma popular apresentadora de uma TV evangélica divulgou a seguinte piadinha: “Sabe qual é a maior tristeza de um pai caçador? Ter um filho veado e não poder matar!” O atual arcebispo de Florianópolis declarou: “Os homossexuais são gente pela metade. Se é que são gente!” O rabino Henry Sobel por duas vezes opôs-se à união civil homossexual, alegando que poderia prejudicar a família e a relação entre pais e filhos. O pastor Túlio Ferreira, da Assembléia de Deus de São Pulo, disse : “O homossexualismo é uma anormalidade, uma maldição de Deus e, por isso, todos os homossexuais serão conduzidos pelo diabo à perdição eterna”.
Discursos tão homofóbicos dessas lideranças religiosas funcionam como combustível e legitimação ideológica à escalada da intolerância anti-homossexual registrada nos últimos dias: cartazes nas ruas de São Paulo e Curitiba pregam o extermínio das minorias sexuais; mensagens na Internet ensinam como matar um homossexual, oferecendo recompensa a quem atear fogo na sede de um grupo gay.
Dois líderes do movimento GLS foram perigosamente ameaçados: o presidente do Grupo Gay da Bahia recebeu carta do Movimento Machista Brasileiro, de Fortaleza, ameaçando “empala-lo com mandacaru” e uma carta-bomba foi enviada ao presidente da Associação Parada Gay de São Paulo.
Homofobia tem cura: educação sexual científica em todos os níveis escolares, transmitindo às novas gerações que a livre orientação sexual é um direito humano fundamental; investigação rigorosa e punição exemplar dos crimes contra homossexuais; campanha nacional contra a homofobia, a começar pelas diferentes religiões, desenvolvendo sentimentos de solidariedade e respeito à diversidade sexual; mobilização dos próprios gays, travestis e lésbicas a se assumirem com dignidade e determinação, denunciando a discriminação e lutando pelo direito à cidadania plena.

Luiz Mott  é professor titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia e secretário de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis.

Fonte: FSP / 2000