“A homofobia nasce e se consolida no campo da cultura”, afirma Leandro Colling

Fábio Rocha,
29/06/2013 | 08h06

 

 

Em entrevista ao site do Conselho Estadual de Cultura da Bahia (CEC), o professor e pesquisador Leandro Colling falou sobre a relação entre homossexualidade e cultura e comentou acontecimentos e polêmicas recentes, como os protagonizados por Daniela Mercury, Joelma e pelo deputado Marco Feliciano.  Entre outras abordagens, Colling analisou o papel das mídias nas construção cultural de visões sobre questões de diversidade sexual e gênero. Confira a entrevista completa.

 

Você nasceu em São Martinho, no Rio Grande do Sul. Por que escolheu a capital baiana para viver?
Leandro Colling – Saí de São Martinho para estudar Jornalismo na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Ao concluir o curso, queria fazer mestrado e, naquela época, em 1998, a Faculdade de Comunicação da Ufba produzia muitas pesquisas na área da comunicação e política, tema que estudava na ocasião. Por isso resolvi vir para Salvador. Fiz o mestrado e depois emendei com o doutorado. Nesse período comecei a dar aulas em várias faculdades particulares, fui professor substituto na Facom/Ufba por quatro anos, depois atuei na Universidade Federal do Recôncavo por um ano e, por fim, fiz novo concurso para a Ufba, no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, onde estou há quatro anos. Eu pensava em fazer mestrado aqui e voltar para o Rio Grande do Sul, mas me apaixonei por Salvador e resolvi ficar.
Na última plenária do CEC, no dia 19 de junho, foi anunciada uma sessão extraordinária para discutir e encaminhar sugestões sobre como a SecultBa pode colaborar para o reconhecimento e respeito à diversidade sexual e de gênero na Bahia. De onde partiu essa ideia? Qual a importância desse debate diante da conjuntura nacional?
LC – Eu e outros conselheiros, como Marcos Uzel e Mary Castro, queríamos propor essa sessão desde que tomamos posse no conselho. A ideia também surgiu porque vários militantes LGBT têm reclamado do fim do edital de Cultura LGBT e da sua incorporação no edital de Culturas Identitárias. Queremos discutir esse e outros temas. Sabemos que a homofobia, por exemplo, nasce e se consolida no campo da cultura, é um fruto indesejado de nossa cultura, assim como a misoginia, o racismo e outras formas de discriminação. E os produtos culturais têm um grande potencial de sensibilizar as pessoas para essas questões, algo que os discursos ditos “racionais” não conseguem fazer com a mesma intensidade. Tenho escrito muito sobre esses temas em um blog [clique aqui e conheça] que tenho com outros pesquisadores. Por isso é muito importante que a SecultBA assuma mais o protagonismo nestas políticas. Na atual conjuntura, esse debate é ainda mais importante, pois temos visto o quanto o fundamentalismo religioso e o conservadorismo de nossos governantes têm impedido o avanço de determinadas políticas em prol da plena cidadania das pessoas LGBT. A sessão vai contar com convidados que trabalham com a cultura e a diversidade sexual, a exemplo do diretor de teatro e pesquisador Djalma Thürler, a produtora Fernanda Bezerra, o ator transformista Valerie O’rarah, um representante do Fórum Baiano LGBT e um da Secretaria Estadual de Cultura. Obviamente iremos também abrir o debate para todas as pessoas que estiverem na sessão. Nossa proposta é sistematizar todas as indicações para encaminhar depois à SecultBA. Não queremos apenas debater, mas fazer encaminhamentos bem objetivos ao governo.
Existem editais da SecultBa voltados às culturas populares e identitárias que contemplam a cultura LGBT. Você acredita que eles contribuem para que exista mais respeito à diversidade sexual? O que precisa ser melhorado neles?
LC – Esse é um tema importante que precisamos debater na sessão extraordinária. Na minha opinião, ao acabar com o edital específico de Cultura LGBT e ao jogar tudo para o edital de Culturas Identitárias, os projetos sobre diversidade sexual e de gênero perderam espaço e recursos porque agora precisam competir com todas as demais demandas identitárias e o volume de recursos desse edital é muito pequeno para atender a todos. Minha sugestão é que volte o edital específico ou que o governo se comprometa a ampliar os recursos do Culturas Identitárias com faixas específicas para cada segmento. Mas a discussão não deve se resumir apenas a esses editais. Uma questão central é que o governo não financie, seja onde for, qualquer projeto que colabore com a homofobia. Essa precisa ser uma orientação que atravesse todas as formas de financiamento público.
No dia 18 de junho, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados aprovou a proposta da “cura gay”. Além de acompanharmos os posicionamentos do presidente da Comissão, o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), frente aos negros e homossexuais, também vimos o projeto de lei do Estatuto do Nascituro e o veto da campanha “Sou feliz sendo prostituta”. Existe um retrocesso frente às minorias?
LC – Existe um evidente retrocesso em todas as políticas e ações que dizem respeito diretamente às questões da diversidade sexual e de gênero em nosso país. Quando falo em diversidade não estou falando apenas de questões LGBT, mas de todas as pessoas, inclusive heterossexuais, que não vivem a sua sexualidade dentro de um rígido esquema heterossexual defendido pelos fundamentalistas. Fiz parte da primeira composição do Conselho Nacional LGBT, empossado no início do governo Dilma para pensar em políticas para a plena cidadania de pessoas LGBT em nosso país. Acompanhei de perto todo esse processo e vi que, apesar de ter criado o conselho, o governo federal não o reconhece e as políticas dessa área estão praticamente todas paralisadas. O projeto Escola sem homofobia, por exemplo, que é central, está parado. [Saiba mais sobre o Escola Sem Homofobia]
Em abril, Daniela Mercury assumiu sua relação com a jornalista Mallu Verçosa. Em contrapartida, no mês passado as cantoras Joelma (Calypso) e Mara Maravilha fizeram declarações de apoio à “cura gay”. Até que ponto esses posicionamentos a favor e contra são importantes para manutenção ou reversão do preconceito na sociedade, partindo do pressuposto que são disseminados por personalidades públicas?
LC – É claro que é importante que uma pessoa como Daniela venha a público falar do seu amor por outra mulher. Isso coloca o tema em discussão em muitas esferas da vida e colabora para a autoestima de muitas pessoas. Mas, como você diz, existem as reações destas e outras pessoas que você cita.
Como você visualiza esse momento político no país com as manifestações que se iniciaram com a pauta por transporte público e abarcaram outras questões como a “cura gay” e o repúdio à PEC 37?
LC – É um momento político importante para que o Brasil se posicione contra essa onda conservadora que avança sobre o país. As pessoas LGBT e demais parceiros da diversidade sexual e de gênero estiveram em peso nas manifestações, cumpriram um papel importante, mas é preciso lembrar que dentro dessas manifestações também vimos muitas pessoas defendendo pautas ultraconservadoras.
Você foi às ruas e participou das manifestações em Salvador. Como você avalia a conduta do Estado durante os protestos e a postura da mídia em relação a isso? Salvador, por exemplo, ficou nitidamente em segundo plano na cobertura da Rede Globo e você fez duras críticas nas suas redes sociais.
LC – Fui na manifestação do dia 20 de junho, onde encontrei muitas pessoas amigas e conhecidas, inclusive muitas que já estavam nas ruas no movimento Fora Feliciano. Na minha leitura, naquele dia, pelo que eu vi nas ruas, a Polícia Baiana e o governo do Estado cometeram grandes equívocos. Era óbvio que agindo da forma que agiu a quebradeira seria geral. Isso já tinha acontecido em São Paulo. O governo baiano não aprendeu nada com o que aconteceu em São Paulo. Eu fiquei muito revoltado e triste por ver o que vi nesse dia. Nossa amada cidade em guerra, literalmente. Desde o início eu ficava impressionado com a apatia do governo federal (e isso também vale para o estadual e municipal). É óbvio que desde o início, dada à gravidade e amplitude dos protestos, que os governos deveria ter instalado um grande comitê de gerenciamento da crise para evitar o pior. Isso não foi feito logo, só depois do dia 20 é que Dilma resolveu agir. Sobre a mídia local, fiquei muito indignado com o fato da violência ocorrida em Salvador não entrar em rede nacional na Globo. O que vimos foi censura explícita. A rigor até hoje o Brasil não sabe o que aconteceu naquele dia em Salvador.
A postura da mídia é um reflexo da falta de democratização da comunicação no país? Você acredita que o marco regulatório das comunicações seria uma alternativa para reversão desta realidade?
LC – Eu sempre defendi, junto com o PT e outros partidos, desde a minha graduação, quando já pesquisava mídia, a urgente necessidade da democratização e regulamentação da comunicação em nosso país. Mas o PT, ao chegar no governo, não avançou nessa sua pauta histórica. Um marco regulatório é o primeiro passo, sem dúvida. Uma rede de televisão, que é uma concessão pública, não poderia ficar impune por ter impedido a circulação de mensagens tão importantes para o país. Outra coisa, voltando ao tema das primeiras perguntas: o fundamentalismo religioso cresceu em nosso país também por causa do uso de concessões públicas, de rádio e televisão, para a propagação de discurso de ódio contra pessoas LGBT e praticantes de religiões afro-brasileiras. Ou seja, concessão pública, que é nossa, sendo usada para a propagação de discurso de ódio. E ninguém faz nada para impedir isso.
Muitas cidades no interior da Bahia estão hoje em fase de formatação dos seus conselhos municipais de cultura. Qual a importância de os conselhos de cultura terem representantes do movimento LGBT?
LC – Os conselhos são instâncias importantes para a discussão de políticas públicas e por isso devem tentar contemplar a diversidade existente na sociedade, ainda que isso seja bem difícil de fazer. Por isso, é fundamental que pessoas que trabalham com questões LGBT estejam representadas em qualquer conselho, pois elas trarão demandas específicas e outros olhares sobre várias questões.