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318 LGBTs foram assassinados em 2015, revela relatório do Grupo Gay da Bahia

Redação,
28/01/2016 | 22h01

O Grupo Gay da Bahia (GGB) divulgou nesta quarta-feira 28  seu  Relatório Anual de Assassinato de Homossexuais no Brasil (LGBT) relativo a  2015.

Segundo o banco de dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), atualizados diariamente no site QUEM A HOMOTRANSFOBIA MATOU HOJE, 318 LGBT foram assassinados no Brasil em 2015: um crime de ódio a cada 27 horas: 52% gays, 37% travestis, 16% lésbicas, 10% bissexuais. A homofobia mata inclusive pessoas não LGBT: 7% de heterossexuais confundidos com gays e 1% de amantes de travestis.

Proporcionalmente, as travestis e transexuais são as mais vitimizadas: o risco de uma “trans” ser assassinada é 14 vezes maior que um gay, e se compararmos com os Estados Unidos, as 119 travestis brasileiras assassinadas em 2015 em comparação com as 21 trans americanas, têm 9 vezes mais chance de morte violenta do que as  trans norte-americanas. Segundo agências internacionais, mais da metade dos homicídios contra transexuais do mundo, ocorrem no Brasil.

 PERFIL REGIONAL

Os estados que mataram o maior número de LGBT em termos absolutos foram São Paulo, com 55 assassinatos e Bahia, 33. Se compararmos porem com a população total, Mato Grosso do Sul é o estado mais homofóbico, com 6,49 de homicídios para cada 1 milhão de pessoas, seguido do Amazonas, com 6,45. Para a população total do Brasil, o índice de assassinatos de LGBT é de 1,57 para cada milhão de habitantes.

Foram documentadas mortes violentas de LGBT em 187 cidades brasileiras, incluindo pequenos centros urbanos, como Ibiá, Ba, com 7 mil habitantes, sendo raras as mortes na zona rural: a capital mais homofóbica de 2015 foi Manaus, com 23 assassinatos – 11,3 mortes para cada milhão de habitantes, seguida de Porto Velho, cujas 5 mortes representam 10,1 por um milhão. Uma travesti e um gay brasileiros foram assassinadas no exterior, Espanha e Estados Unidos. Foram incluídos também 5 suicídios de homossexuais masculinos.

Em termos regionais, dos 318 assassinatos documentados em 2015, o Nordeste continua liderando a violência em números absolutos com 106 óbitos, seguido do Sudeste com 99, o Norte com 50, Centro-Oeste 40  e 21 no Sul. Porém, se compararmos com o total da população regional, o Norte foi a região mais homotransfóbica, com 2,9 assassinatos para cada 1 milhão de  habitantes, seguido do Centro-Oeste com 2,6, Nordeste com 1,8, Sudeste com 1,1 e Sul com 0,7 – sendo a média do Brasil 1,5 e o Distrito Federal,  2,1.

Apesar de se presumir que quanto maior o índice de desenvolvimento humano (IDH), menor a violência, já que sul e sudeste são as regiões com menos ocorrência de crimes homofóbicos (0,8 por milhão no Sul contra 2,9 no Norte) dois estados nortistas não registraram nenhuma morte, Acre e Roraima, provavelmente devido à omissão dos órgãos de segurança pública em divulgar tais estatísticas. Nos últimos quatro anos, o Acre registrou 3 “homocídios” e Roraima 6. Porto Velho, no lado oposto, foi a segunda capital com maior índice de crimes: 10,1 por milhão de habitantes.

Segundo o fundador do Grupo Gay da Bahia, prof. Luiz Mott, “não se observa no geral uma tendência previsível fixa nos crimes homofóbicos já que variam inexplicavelmente diversas de suas características de ano para ano. A começar pelo número total de crimes: em 2013 foram assassinados 312 LGBT no Brasil, aumentando para 326 em 2014 e baixando para 318 em 2015. A Bahia registrou um aumento de 25 para 33 assassinatos entre 2014-2015, enquanto o Rio de Janeiro diminui de 22 para 12 mortes.” A mesma irregularidade quanto à sazonalidade: nos últimos 4 anos, janeiro oscilou entre 25-45 mortes, enquanto agosto, de 16-34 – sem qualquer possibilidade de explicação de causalidade. Há estados que num ano matam-se mais gays, e no ano seguinte, mas trans. A única regularidade fixa  é que em números totais, matam-se mais gays, seguidos de trans, nunca até agora  as lésbicas atingindo 20% dos óbitos. “Nada garante que o decréscimo de 8 mortes entre 2014-2015 represente uma tendência previsível para os próximos anos, a menos que políticas públicas e leis condenatórias sejam aprovadas e efetivadas em nosso país”, complementa o Prof. Mott.

O caso mais chocante em termos de incremento da violência ocorreu no Amazonas, que de 7 homicídios em 2014 saltou  para 25 em 2015, dos quais 23 em Manaus, cidade que tem menos de dois milhões de habitantes,  enquanto São Paulo, com população de 12 milhões, teve 15 assassinatos.

 PERFIL DAS VÍTIMAS

A violência anti-LGBT atinge todas as cores, idades, classes sociais e profissões. A vítima de menor idade foi Michael, 13 anos, parda, de Rio Claro, SP, uma pré-adolescente em construção de sua performance feminina, que gostava de se vestir de menina, encontrada morta na pista com 15 facadas. O mais idoso, um renomado médium do Rio de Janeiro, 74 anos, encontrado morto amordaçado, com marcas de tortura e espancamento, identificado como homossexual pela ex-esposa. Predominam as mortes de LGBT menores de 29 anos (58%), pessoas portanto, na flor da idade produtiva.  Menores de 18 anos representam 21%, sugerindo a precocidade da iniciação homoerótica e grande vulnerabilidade, sobretudo das jovens travestis e transexuais profissionais do sexo.

Quanto a cor dos LGBT assassinados, 55% eram brancos, 45% negros – e levemente contrário do perfil demográfico do Brasil, as transexuais e travestis, via de regra oriundas de camadas sociais mais pobres,  acentuam um pouco mais essa mesma tendência racial, sendo brancas 57% e 43%  pardas e pretas. Preferirão os clientes travestis mais claras?

Relativamente à causa mortis, persiste o mesmo padrão dos anos anteriores: predominam as execuções com armas brancas 37%, seguidas de armas de fogo 32%, incluindo espancamento, pauladas, apedrejamento, envenenamento. Via de regra travestis são executadas nas vias públicas (56%), vítimas de armas de fogo, enquanto gays e lésbicas são assassinadas dentro da residência (36%), com facas e objetos domésticos, ou em estabelecimentos públicos (8%). Típicos crimes de ódio, muitos com tortura prévia, uso de múltiplos instrumentos, excessivo número de golpes: o bacharel Helmiton Figueiredo, 30 anos, de Cabo de Santo Agostinho, PE, foi morto com 60 facadas; Inácio José da Silva, 30 anos, de Santa Cruz do Capibaribe, levou 13 tiros. Requintes de crueldade caracterizam grande parte desses crimes de ódio contra os “viados”: Bruno C. Xavier, foi esquartejado e cimentado em seu apartamento em Diadema, SP; Pablo Garcez,  pedreiro de 35 anos, de Manaus, teve seu tronco e braços decepados; Cícero Miguel dos Santos, 41, Sertãozinho, PB, teve seu corpo todo perfurado e marcado a faca com um X nas costas; a travesti Laura Vermont, 18, foi perseguida por um automóvel pelas ruas de SP, e cruelmente espancada, com omissão de policiais da Zona Leste, tudo gravado em vídeo; Andréia Pereira, 40 anos, lésbica, cozinheira no Guarujá, SP, foi espancada até a morte por três homens. Testemunhas declararam: ‘Não foi latrocínio pois espancaram muito ela, quebraram as costelas, o rosto e o pescoço, deixaram ela totalmente desfigurada e irreconhecível”. O Delegado local reconheceu que “não é normal que ocorra tamanha brutalidade em crimes desse tipo contra uma mulher”. Crimes de ódio.

 IMPUNIDADE

Crimes contra minorias sexuais geralmente são cometidos de noite ou madrugada, em lugares ermos ou dentro de casa, dificultando a identificação dos autores. Quando há testemunhas, muitas vezes estas se recusam a depor, devido ao preconceito anti-LGBT. Policiais manifestam sua homotransfobia ignorando tais crimes, negando sem justificativa sua conotação homofóbica.

Somente em 1/4 desses homicídios o criminoso foi identificado (94 de 318), e menos de 10% das ocorrências redundou em abertura de processo e punição dos assassinos. A impunidade estimula novos ataques.

Dos 94 criminosos identificados, o mais jovem tinha 14 anos e o mais idoso, 63, predominando assassinos na juventude: 16% eram menores de 18 anos e 87% com menos de 29 anos. Foram quatro os menores que mataram a pedrada o citado trans adolescente em Araraquara. Quatro mulheres mataram um gay não identificado em Barra dos Coqueiros, região metropolitana de Aracaju. As matérias jornalísticas identificaram a profissão de apenas 23 desses assassinos: 5 profissionais do sexo (michês) , 5 pintores de parede, 4 policiais militares, 2 caminhoneiros, incluindo mototaxista, advogado, morador de rua.

 CRIMES POLÊMICOS

Seriam todos esses 318 assassinatos crimes homofóbicos? O Prof.Luiz Mott é categórico: “99% destes “homocídios” contra LGBT têm como motivo, seja a LGBTfobia individual (quando o assassino tem mal resolvida sua própria sexualidade), seja a homotransfobia cultural (que expulsa as travestis para as margens da sociedade onde a violência é endêmica), seja a homofobia institucional (quando os governos não garantem a segurança dos espaços frequentados pela população LGBT nem aprovam leis condenatórias da LGBTfobia). Mesmo quando uma trans está envolvida com ilícitos – drogas, furtos – sua condição de “viado” aumenta o ódio e a violência na execução do crime. De Norte a Sul do Brasil se ouve dizer: “viado tem mais é que morrer!” e pais e mães, repetem como o Deputado Jair Bolsonaro, “prefiro meu filho morto do que homossexual!” A recente lei de “feminicídio” preconceituosamente excluiu as mulhres transexuais de sua abrangência.

O Presidente do Grupo Gay da Bahia, o historiador Marcelo Cerqueira, acrescenta: “quando o Movimento Negro ou as feministas divulgam suas estatísticas, não se questiona se o motivo das mortes foi racismo ou machismo, porque então exigir só do movimento LGBT atestado de ódio ideológico nestes crimes hediondos? Ser travesti, lésbica ou gay já é um agravante de periculosidade dentro da intolerância  machista dominante em nosso país!”

Para o coordenador do banco de dados desta pesquisa, o analista de sistemas Eduardo Michels, do Rio de Janeiro, “a subnotificação destes crimes é notória, indicando que tais números representam apenas a ponta de um iceberg de violência e sangue, já que nosso banco de dados é construído a partir de notícias de jornal e internet. Infelizmente são raríssimas as informações enviadas pelas mais de trezentas Ongs LGBT brasileiras. E a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e o Disk 100  atestam sua incompetência ao não documentar a violência letal contra mais de 10% da população brasileira constituída por LGBT. A realidade deve certamente ultrapassar em muito tais estimativas, sobretudo nos últimos anos, quando os familiares das vítimas, policiais e delegados cada vez mais, sem provas e sem base teórica, descartam preconceituosamente a presença de homofobia em muitos desses homocídios”.

Mott completa: “Lastimavelmente, a violência anti-homossexual cresce incontrolavelmente no Brasil. Nos 8 anos do governo FHC, foram documentados 1023 crimes homofóbicos, uma média de 127 por ano; no Governo Lula, subiram para 1306, com média de 163 assassinatos por ano; nos 5 anos, no Governo Dilma, tais crimes atingiriram  a cifra de 1561, com média de 312 assassinados anuais – mais que o dobro da média dos governos anteriores. Daí a urgência da Presidenta cumprir sua promessa de campanha de criminalizar a homofobia – segundo ela, uma barbárie!”

E o ano novo começa ainda mais homofóbico: em janeiro de 2016 já foram documentados 30 assassinatos de LGBT em 28 dias, um assassinato a cada 22 horas!