Arte e Exposições

Teatro

14ª edição do IC Encontro de Artes afirma: “Arte Dá Trabalho”

Genilson Coutinho,
11/08/2021 | 10h08

A partir de variadas perspectivas de um debate constante da sociedade brasileira, a 14ª edição do IC Encontro de Artes reúne 10 proposições artísticas que se encontram em torno do lema “Arte Dá Trabalho”. Das reflexões sobre a profissão de artista, sua labuta cotidiana e fragilidades institucionais, passando pela potência econômica dos setores criativos, os imperativos capitalistas e o produtivismo, atravessando as políticas públicas e chamadas “tetas do governo”, denunciando as vulnerabilidades do campo ainda mais expostas pela pandemia, até chegar à noção da arte que dá trabalho ao pensamento e ao retrocesso antidemocrático, o evento promove uma programação que se espalha em diversas plataformas digitais – e nas ruas de Salvador (BA) – entre os dias 23 e 27 de agosto, em horário comercial, das 9h às 18h.

Anteriormente agendado para acontecer em 2020, o IC14 viu a sua afirmação fundante, definida antes da chegada do coronavírus ao Brasil, tomar novas dimensões. “Arte Dá Trabalho” tornou-se uma bandeira política mais urgente diante dos impactos das atividades interrompidas e da necessidade de reinvenções constantes para a subsistência de artistas e para a garantia do direito de acesso à arte aos públicos confinados. Enquanto isso, pensar sobre trabalho, renda, reconhecimento, tempo, disponibilidade, prontidão, exaustão, produtividade, instabilidade, digitalização da vida e de serviços se estabeleceu como realidade inquietante numa rotina insegura para as mais variadas profissões.

Arte serve para quê? Trabalho serve a quem? “Os próprios conceitos de ‘arte’ e ‘trabalho’ são bastante complexos. As perguntas que nos atravessam vêm sendo debatidas por estudiosos há séculos. Hoje, numa circunstância histórica profundamente crítica, cruzar estas ideias é um chamado de resistência”, explica o coletivo curatorial do IC, formado por membros da Dimenti Produções Culturais. “Com o adiamento desta edição do festival, passamos mais de um ano desenvolvendo e compartilhando reflexões sobre o assunto, até chegarmos, enfim, à formatação da programação, que já começa com uma provocação pelo seu horário: estamos todos em constante operação e já não mais sabemos identificar o tempo livre”, completam.

Outro desafio foi conceber um evento que, como é marca da história do IC, inovasse em sua concepção. Em busca de escapar de formatos que vêm se desgastando nesta temporada de difusão da arte pela internet, o IC14 se arrisca em produções e adaptações inéditas, além de modos diferentes de fruição.

PROGRAMAÇÃO – Em sua mostra artística, o IC14 tem uma programação diária constante. É o caso de “Teletrabalho Normal”, de Cláudia Müller (MG/SP), que pode ser considerada a obra mestra desta edição. Na tradução digital da performance “Trabalho Normal” (2018) a ser estreada no IC, a artista permanece em ação, ao vivo pelo YouTube, diariamente, das 9h às 13h e 14h às 18h, na duração de uma jornada de trabalho convencional: o período de 8 horas. Ao longo de cada um dos cinco dias de programação, Cláudia Müller realiza uma diferente performance partindo de projetos de artistas que discutem o paradoxo da inutilidade da arte: Francis Alÿs, Marta Soares, Artur Barrio, Brígida Baltar e Tehching Hsieh.

Também diariamente e no YouTube, no horário de almoço, das 12h às 13h, a performance “A babá quer passear”, de Ana Flávia Cavalcanti (RJ), se reconfigura para ser produzida e exibida de forma online. A imagem de uma babá dentro de um carrinho de bebê gigante e cor-de-rosa chega para discutir a invisibilidade das trabalhadoras domésticas no Brasil – mulheres negras periféricas em situação de vulnerabilidade social e econômica. E se invertêssemos os papéis? E se agora a babá quisesse passear, dar uma volta, se distrair, ser cuidada? A provocação se encorpa em tempos de pandemia, quando trabalhadoras domésticas foram dispensadas de seus serviços sem quaisquer garantias ou obrigadas a se manter em atividade e exposição. Símbolo desta situação, a primeira morte por coronavírus no Rio de Janeiro foi de uma empregada doméstica infectada pela patroa.

Fechando a agenda diária, sempre às 18h, o projeto soteropolitano TOCA!, de promoção da música autoral brasileira, apresenta no YouTube o “TOCA! Happy Hour”, em que 12 artistas da música contemporânea da Bahia falam sobre arte e trabalho e tocam suas canções. Tiganá Santana, Josyara, Hiran, Yan Cloud, Jadsa, Vírus, Neila Kadhí, Ian Lasserre, Fatel, Mirceia Jordana, Juli e Andrezza Santos contam de suas trajetórias profissionais, de como se mantêm enquanto artistas independentes e da experiência de produção durante a pandemia.

Outra atração disponível todos os dias são as “Visitas Desanimadas” do Palhaço Klaus (SP): um pocket show com mágicas e música feito através de uma chamada de vídeo, ao vivo e individual, pelo aplicativo WhatsApp. O Palhaço Klaus é o avesso da máscara do palhaço e a sombra do arquétipo do homem maduro e fracassado, fruto de uma pesquisa do anti-herói no universo da palhaçaria. O personagem trilhou uma vida medíocre animando festas infantis e buscando apenas a sobrevivência, e seu humor sarcástico faz dele o contrário e ao mesmo tempo o espelho da sociedade contemporânea. Para receber uma visita, é necessário agendar um dos 25 horários disponíveis. Custa apenas R$ 6,39: o valor pago pela hora de trabalho de professor da Rede Municipal do Ensino Fundamental em Salvador.

Há ainda dois trabalhos que, no período do evento, terão aparições surpresa, sem dia e hora marcadas. Um deles é a “Kombi do Mal”, realizada pelo projeto de intervenção urbana Lambes do Mal (BA), que foi a primeira ação curada para o IC14, tanto para dialogar com a identidade visual do festival, que parte de uma arte especialmente criada para o evento, como com esta configuração de obra inédita, numa coprodução entre ambos. Em Salvador, quando o dia amanhece, já se pode ouvir em muitas ruas da cidade o motor da velha kombi que oferta a venda de ovos em alto falante estridente. A “Kombi do Mal” mistura a Lambes do Mal com o carro do ovo para ecoar outras palavras, deixando, por onde passar, suas frases nos postes, nos muros e mentes, contra a automatização do cotidiano e a rispidez do capital.

A segunda atividade com chegada sem aviso prévio é o “Feednário”, um seminário produzido para o feed do Instagram, outro projeto feito especialmente para o IC14. Renan Marcondes (SP), que vem fazendo do seu Instagram pessoal um espaço de discussão sobre a arte da performance, apresentará nove postagens na página do IC, como pequenas palestras sobre a relação entre arte e trabalho.

A grade do IC14 ainda traz Fábio Osório Monteiro (BA) em exibição única no YouTube de “Bola de Fogo”, com delivery de acarajé, no dia 25 de agosto (quarta-feira), às 17h. A performance estreou em 2017, quando Osório, tentando resistir à dificuldade financeira da vida de artista, decide se tornar baiana de acarajé. Inaugurando este novo momento da carreira, devidamente registrado na Associação Nacional das Baianas de Acarajé, Mingau, Receptivo e Similares (ABAM), ele monta seu tabuleiro e, devidamente trajado, prepara a massa, frita o bolinho e o vende como fazem todas as baianas do acarajé. Enquanto prepara o alimento, ele conversa sobre política, espiritualidade, memória, afeto e ancestralidade, acompanhado por Cíntia Santos, tradutora e intérprete de Libras. Para o deleite final, pessoas de Salvador poderão encomendar kits do “acarazó”, o acarajé de Osório, que serão entregues à domicílio.

Por fim, “Arquivo de Espaço”, de Larissa Lacerda (BA), entra no ar em 27 de agosto (sexta), às 14h, também no YouTube. Em tempos de espaços culturais fechados aos seus públicos, a minissérie vem para ativá-los através de memórias que contam suas histórias mais subjetivas. Em seis episódios, a produção revisita teatros e centros de cultura da Bahia para mostrá-los através das lembranças de personagens convidados que compartilham seus afetos sobre estes locais. De Salvador, estão o Teatro Gamboa, Teatro Martim Gonçalves, Teatro do Goethe-Institut e Espaço Cultural Alagados, somados ao Teatro Dona Canô, de Santo Amaro, e Centro de Cultura Olívia Barradas, de Valença, potentes equipamentos que muito se relacionam com suas comunidades e trajetos culturais. Os vídeos têm legenda em inglês, português e versão com Libras.

RESIDÊNCIA ARTÍSTICA – A 14ª edição do IC Encontro de Artes reflete sobre a própria ideia de “residência artística” em situação de isolamento social. Se, no período pré-pandêmico, estar em residência artística envolvia, em grande parte, deslocamentos geográficos, abertura de um tempo-espaço de concentração, contato com novos ambientes e interlocuções presenciais, como lidar com o imperativo do confinamento em termos de criação e de pesquisa em artes? Em que medida agentes das artes e da cultura já não estão em residência artística permanente em suas moradas, aqui e agora?

O IC14 convida 40 artistas de várias cidades brasileiras e da América Latina, numa parceria com a Otratierra – Escola de Artivismos, para fortalecer o que cada uma dessas pessoas já está movendo em suas pesquisas: um grupo diverso, formado por gente que atua em variadas linguagens das artes, de diferentes trajetórias, corpos e representatividades, de todas as regiões do Brasil, de capitais e cidades do interior, e de países latinos. Cada artista receberá uma bolsa de criação que toma como referência o primeiro valor do brasileiríssimo auxílio emergencial: R$ 600.

Como dispositivo de compartilhamento dos trabalhos com o público, cada artista produzirá uma “PodCarta”, dando notícias do que anda fazendo, levantando discussões e relatando, aos modos de suas poéticas, como tem sido esse tempo de ter a casa como residência – de morada e de criação. As “PodCartas” serão compartilhadas uma a uma, através de grupo no WhatsApp, onde qualquer pessoa interessada pode entrar, mas onde apenas os administradores podem enviar mensagens. Publicadas em intervalos programados, durante os cinco dias de festival, as “PodCartas” marcarão cada uma das 40 horas da jornada de trabalho semanal. A ideia é criar um grande grupo de escuta coletiva que se abra para a calma e a atenção em tempos de mensagens de áudios aceleradas que procuram respostas imediatas.

ATIVIDADE DE FORMAÇÃO – O artista visual, designer e performer João Emediato (MG/Finlândia) realiza um laboratório de criação para criação conjunta do zine “Breve Atlas do Trabalho IC14”. Em todos os dias do IC14, das 10h às 12h, via Zoom Meeting, 10 participantes selecionados para ocupação das vagas gratuitas vão passar por todo o processo de discussão conceitual, criação de conteúdo, edição de textos e imagens e finalização de um zine. João, que vem trabalhando na interseção entre as artes gráficas e performáticas, pensa relações entre gestos, palavras e imagens ligadas ao amplo campo do trabalho em sua pesquisa atual de mestrado, na Aalto University School of Arts, Design and Architecture da Finlândia. O material resultante será finalizado e impresso após o festival.

PROGRAMAÇÃO DE AQUECIMENTO – O IC14 adiciona uma atividade extra e antecipada para aquecer, na semana anterior ao evento, o debate sobre arte e trabalho, convidando artistas e ativistas da cultura para participarem de uma “Entrevista de Emprego”. A gestora cultural, realizadora audiovisual, capoeirista e professora Daniele Canedo (BA), a atriz e vereadora Maria Marighella (BA), a rapper, historiadora e escritora Preta Rara (SP), o ator e roteirista Thiago Almasy (BA) e a criadora de conteúdo e faxineira Verônica Oliveira (SP) respondem e refletem sobre as típicas perguntas do mundo corporativo, marcando o desejo de refletir criticamente tais ferramentas de “recrutamento e seleção” profissionais, bem como de articular questões específicas do campo de atuação de cada participante. A série de vídeos será publicada entre os dias 16 e 20 de agosto, sempre às 9h, no Instagram.

SOBRE O IC ENCONTRO DE ARTES – Pelo oitavo ano, o IC Encontro de Artes tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia, através do Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda e Secretaria de Cultura da Bahia, contemplado pelo Edital de Eventos Culturais Calendarizados. Realizado anualmente pela Dimenti Produções Culturais em parceria com a Associação Conexões Criativas, o IC é uma iniciativa artística independente, contemporânea e desafiadora, concebida de forma continuada e impulsora de instigantes processos para a produção cultural da Bahia e do Brasil. O projeto abre espaço para articulações, reflexões e intercâmbios como uma plataforma pluriartística de criação e difusão. Cada edição é atravessada por uma questão simbólica que orienta o processo curatorial e a composição da programação, em consonância com aquilo que move a criação de artistas em diferentes partes do mundo e em associação com as pesquisas dos próprios artistas-curadores-produtores: Ellen Mello, Fábio Osório Monteiro, Jorge Alencar, Larissa Lacerda e Neto Machado.

IC14: Arte Dá Trabalho

Quando: 23 a 27 de agosto de 2021

Transmissões e acessos: www.icencontrodeartes.com.br

Instagram, Facebook, YouTube e Linktree: icencontrodeartes

Quanto: Atividades gratuitas ou ao preço de R$ 6,39 (à venda em www.sympla.com.br/ic)

Apoio: Goethe-Institut Salvador-Bahia | TVE Bahia | 107.5 Educadora FM Bahia

Apoio Financeiro: Fundo de Cultura/ Secretaria da Fazenda/ Secretaria de Cultura/ Governo da Bahia

Parceria: Associação Conexões Criativas

Realização: Dimenti Produções Culturais

PARA FOTOS E VÍDEOS, ACESSE: https://bit.ly/ic14imprensa

PROGRAMAÇÃO DE AQUECIMENTO

Entrevista de Emprego – Daniele Canedo (BA), Maria Marighella (BA), Preta Rara (SP), Thiago Almasy (BA) e Verônica Oliveira (SP)

16 a 20 de agosto (segunda a sexta), 9h

No Instagram | Classificação indicativa: Livre | Gratuito

PROGRAMAÇÃO

Teletrabalho Normal – Cláudia Müller (MG/SP)

23 a 27 de agosto (segunda a sexta), 9h às 13h e 14h às 18h

No YouTube | Ao vivo | Classificação indicativa: Livre | Gratuito

A babá quer passear – Ana Flávia Cavalcanti (RJ)

23 a 27 de agosto (segunda a sexta), 12h às 13h

No YouTube | Exibição temporária | Classificação indicativa: Livre | Gratuito

TOCA! Happy Hour – Projeto TOCA! (BA)

23 a 27 de agosto (segunda a sexta), 18h

No YouTube | Lançamento permanente | Classificação indicativa: Livre | Gratuito

Visitas Desanimadas – Palhaço Klaus (SP)

23 a 27 de agosto (segunda a sexta), em horários agendados

Via chamada de vídeo no WhatsApp | Ao vivo | Classificação indicativa: 18 anos | R$ 6,39

Kombi do Mal – Lambes do Mal (BA)

23 a 27 de agosto (segunda a sexta), em dias e horários surpresa

Ruas de Salvador | Classificação indicativa: Livre | Gratuito

Feednário – Renan Marcondes (SP)

23 a 27 de agosto (segunda a sexta), em dias e horários surpresa

No Instagram | Classificação indicativa: Livre | Gratuito

Bola de Fogo – Fábio Osório Monteiro (BA)

25 de agosto (quarta), 17h

No YouTube | Exibição única | Classificação indicativa: Livre | Gratuito

Arquivo de Espaço – Larissa Lacerda (BA)

27 de agosto (sexta), 14h

No YouTube | Lançamento permanente | Classificação indicativa: Livre | Gratuito

PodCartas – 40 artistas do Brasil e América Latina

23 a 27 de agosto (segunda a sexta), 9h às 13h e 14h às 18h

Via grupo no WhatsApp | Classificação indicativa: 18 anos | Gratuito

Laboratório de Criação: Breve Atlas do Trabalho IC14 – João Emediato (MG/Finlândia)

23 a 27 de agosto (segunda a sexta), 10h às 12h

Via Zoom Meeting | Ao vivo | Classificação indicativa: 18 anos | 10 vagas gratuitas